Das muitas fotografias que o fotógrafo francês Henri
Cartier-Bresson fez no nosso país, no ano de 1955, há uma que diz muito sobre o
regime político em que se vivia e o grau de atraso social e tecnológico que era
o de Portugal. Não me refiro a qualquer das fotografias onde surgem miúdos de
pés descalços, nem a nenhuma das que mostram as portuguesas vestidas de negro,
como se vivessem um luto eterno, tão pouco a alguma onde se observam homens
adultos vestidos com roupas que não são mais que um conjunto de remendos
cozidos entre si. Deixemo-las de lado.
A fotografia a que me refiro é aquela em que se vê uma planície
alentejana a perder de vista, rasgada por uma estrada – uma recta sem fim – em
estado de conservação medíocre. De um dos lados da estrada, vê-se uma fileira
de postes de electricidade. Do outro, muito ao longe, uma casa isolada. Os
campos estão sem cultura alguma, talvez numa fase entre duas campanhas do
trigo. Esta sensação de abandono que se desprende da paisagem alentejana
pega-se aos olhos como se fosse uma infecção difícil de debelar. Nessa estrada
infinita, vê-se, de costas, um casal num veículo. Não são, obviamente,
trabalhadores rurais. Ele tem fato e chapéu à lavrador alentejano e ela está
vestida com algum cuidado, onde se vê que procura mostrar uma elegância discreta.
O veículo, porém, não é um automóvel descapotável, mas uma rudimentar carroça.
Estávamos em 1955.
Esta fotografia diz muito do que era Portugal nesses tempos,
dos quais parece que há por aí gente saudosíssima, embora nunca os tenha vivido.
Aquele casal não era, certamente, composto por pessoas ligadas ao grande
latifúndio, mas também não pertencia ao mundo da terrível pobreza – de passar
fome – que devastava então o Alentejo. Faziam parte do que se podia considerar
a classe média local da altura. Costuma-se dizer que nesses tempos até os ricos
eram pobres. Embora não seja exactamente verdade no que diz respeito aos muito
ricos, as classes médias, além de pequenas em número, viviam numa austeridade
contínua que tocava uma pobreza envergonhada.
Toda aquela desolação não se devia, nem de perto nem de
longe, às condições tecnológicas da época, mas a opções políticas que fecharam
o país não apenas à democracia e ao debate de ideias, mas ao desenvolvimento
científico, tecnológico e empresarial. Uma parte do país, mesmo em 1974, quase
20 anos depois da fotografia referida, vivia praticamente como na Idade Média.
Quando as pessoas louvam a ditadura e estendem o lençol dos encómios ao
professor Salazar, seria bom que tivessem consciência de que, muitas delas, se
vivessem nesse tempo passariam fome e andariam descalças. Talvez seja isso que
desejam experimentar.
Um texto muito pertinente.
ResponderEliminarAbraço
Muito obrigado.
EliminarAbraço
Aqui no Brasil está este inferno. Andar descalço ainda é pouco, passar fome é indigno, agora imagine as viúvas da ditadura tendo amigos e familiares torturados, se não fossem elas próprias
ResponderEliminarSim, a situação do Brasil parece-me muito dramática com a actual situação política. Em Portugal também houve muita gente torturada e assassinada durante os 48 anos de ditadura.
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