Manuel Casimiro, Estrutura, 1970 |
Olhou em volta, espreitou por detrás de uns arbustos e dos troncos
das árvores, apurou o ouvido e fez o catálogo dos sons, passou-os mentalmente em
revista para ver se alguns deles poderia vir de um ser humano. Certificou-se
que não havia ninguém que a pudesse surpreender e começou a despir-se. Os
sapatos saltaram-lhe dos pés, o vestido caiu no solo, o corpo nu fulgurou na
luz da madrugada. Liberta do que a incomodava, flectiu a perna esquerda até que
o joelho tocou no chão e a perna e o pé se estenderam, formando com a coxa um
ângulo recto. A direita vinha do quadril paralela ao chão, quando o joelho
se dobrou de modo a que a perna, apoiada no pé, desenhou
com a coxa um ângulo de quarenta e cinco graus. O púbis era uma sombra na
geometria dos membros inferiores. O tronco ergueu-se muito direito, deixando
ver os seios redondos e contidos. Então, levantou os braços e começou a
inclinar a parte superior do corpo para trás, até que as mãos e, de seguida, a cabeça tocaram o chão. Os seios pareciam espalmar-se devido à
tensão a que o corpo se submetia. O ventre subia e descia, imperceptivelmente,
segundo o arbítrio da respiração. Repousou naquela posição longos
segundos, até que levou o joelho direito ao chão para que a perna e a coxa, alinhadas agora com as da esquerda, desenhassem também elas um ângulo de
noventa graus. Assim firmada no solo, ergueu os braços, depois o tronco, desfazendo o arco que construíra, e logo
os inclinou para a frente até que mãos, braços e cabeça descansaram na relva,
como se fosse aquele o momento em que saudava, não sem contida alegria, a natureza, num longo abandono,
numa preparação para o momento em que, ao dançar, se esqueceria da
gravidade e da terra ascenderia aos céus.
Nem a música falta. Belíssimo.
ResponderEliminarAbraço
Muito obrigado.
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