quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Perfis 2. O actor

Willem de Kooning, 24 dibujos con los ojos cerrados, 1966
O chapéu de aba larga, cor de mel com fita castanho escuro, descai para a direita, uma postura largamente ensaiada ao espelho, para acentuar o ar másculo com que o mundo o deve ver. Na mão direita ergue uma vara, talvez com uns três metros, na verdade uma cana de bambu. Os braços abrem-se para equilibrar o corpo. Os sapatos brilham batidos pela luz quentes do sol, que ilumina uma paisagem que combina pequenos bosques e prados amplos, aonde não se vê, por enquanto, qualquer animal. O homem, na casa dos trinta anos, encarna o papel de aventureiro em férias. Veste um fato claro, uma camisa branca, o colarinho aberto. Exibe-se perante um grupo de gente da mesma idade, em que proliferam as mulheres, algumas ninfas que habitam, por certo, o ribeiro que ele se propõe atravessar. O tronco caído de uma árvore abatida há pouco torna-se uma ponte, talvez com dez metros de comprimento. Os pés poisam lateralmente, avançam com cuidado, ora um, ora outro, os braços abrem-se, o bambu parece uma antena à procura de sinal. Ouvem-se gritos de incentivo, o homem pára, pés firmes sobre o tronco estreito, sorri, a vara erguida para os céus, com cuidado passa a mão pelo rosto e retoma a caminhada. Avança o pé direito, apoia-o na ponte improvisada, assim que o firma com segurança, logo avança o esquerdo, repetindo o ritual, enquanto a água dolente do ribeiro corre serena e as árvores reverberam batidas pelo sol. Quando chega ao fim da travessia, recebe um estrondoso aplauso, as ninfas particularmente excitadas. Ele finca a cana no chão, com a mão esquerda retira o chapéu, pegando com cuidado pela copa e dobra-se numa mesura excessiva, enquanto no rosto exibe um sorriso rasgado. Sou um funâmbulo, diz. 

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