Hafidh Al-Droubi, Harmony in Blue, 1966 |
De um lado, as
águas cor esmeralda, do outro azul cinza. Divide-as um molhe, que as segura e fende,
para aquietar-lhes ímpetos, torcer-lhes energias, submetê-las aos devaneios
humanos. Desenha nelas, à superfície, uma cicatriz de betão armado, amparada
por enormes blocos de pedra, para ali arrastados como protecção contra a cólera
do oceano. São seiscentos metros que
separam o início da construção, ainda em terra seca, da ponta onde o molhe se
termina num farol, uma torre, já bem dentro do mar, com paredes pintadas às
riscas brancas e verdes, encimadas por uma enorme lâmpada, também ela verde. Passeiam
por ali famílias vindas de fora, pessoas que o aproveitam como terreno para as
suas caminhadas, a pé ou de bicicleta, gente da terra que nunca se cansa de
olhar o mar. Velhos pescadores, agora reformados, espreitam com nostalgia a
passagem dos barcos de pesca. Outros, pescadores amadores, distribuem-se pela
metade final da construção e, equipados com grandes canas de pesca, entretêm-se
em manipulá-las, lançando ao mar a linha terminada num anzol onde prendem o
isco, fazendo rodar para trás e para a frente um carreto, numa coreografia arduamente
adquirida. Depois, prendem as canas ao chão. Uns, deitando-as sobre o cimento. Outros
aproveitando as fendas disponíveis. Por fim, sentam-se em bancos e cadeiras
apropriadas à função e ficam a conversar com amigos ou a família, ou a olhar
para a cor do mar, numa espera interminável que a cana dê um sinal que anuncie um
peixe caído no engodo humano, preso pela boca na ponta acerada do anzol.
Solitária, uma mulher jovem, vestida com roupa desportiva, caminha em direcção
ao farol. Um passo decidido, as pernas compassadas num corpo elegante, o cabelo
a ondular com o movimento, erguendo-se se o vento o açoita com mais violência. Os
olhos escondem-se nuns óculos de sol de marca famosa. Olha em frente, um passo,
e outro, e outro, até que cumpre os seiscentos metros. Pára, olha o mar e senta-se
na borda do molhe, as pernas caídas em direcção às rochas de protecção, o corpo
apoiado nas palmas da mão que repousam no chão. As gaivotas esvoaçam, aterram
sobre o cimento, levantam voo, se alguém se aproxima, planam empurradas pela
energia eólica. Passados alguns minutos, a mulher levanta-se, a roupa realça-lhe
as formas. Volta-se, vira-se para terra e caminha, no mesmo passo decidido e
cadenciado, indiferente a quem passa, concentrada em si, no corpo que se
oferece ao olhar dos espectadores. Chegada ao fim do molhe, entra num bar que
ali há e desaparece na suave obscuridade que a acolhe.
Excelente descrição.
ResponderEliminarAbraço
Obrigado.
EliminarAbraço