Francis Bacon, Self Portrait with Injured Eye, 1972
Talvez o problema resida no facto da identidade política ser
um dos elementos estruturantes da identidade pessoal, como alguns estudos
parecem apontar. A verdade é que as pessoas com algum interesse pelos destinos
da comunidade, perante um político de uma orientação ideológica adversa, conseguem
a proeza de, ao mesmo tempo, vê-lo bem de mais e de não o conseguir ver. Conseguem,
de uma forma absolutamente penetrante, no seu entendimento, ver no actor
político a pessoal moral – por norma, o mais rematado filho da mãe – que elas
supõem que ele é. Ao mesmo tempo são incapazes de encontrar nele qualquer
virtude política e sendo tanto mais incapazes quanto mais virtuoso ele é.
Percebe-se facilmente a cegueira para a virtude política.
Ela contraria o desejo da pessoa de ver os seus no lugar do poder. Reconhecer essa
virtude significaria admitir que não se tem uma razão absoluta, que as suas
crenças são frágeis e que há soluções exequíveis para além daquelas com que se
identifica. O seu sistema de crenças sobre o destino da sociedade ficaria
abalado. Interessante, porém, é observar aquilo que se exige, do ponto de vista
moral, a um político adversário. Pessoas absolutamente venais ou de relativa
perfeição moral, e estas são a esmagadora maioria, avaliam moralmente, com a
sua supervisão, um político adversário por uma bitola moral que nem os santos,
aqueles que conquistam a glória dos altares, conseguiriam satisfazer. Chegam
mesmo a dizer que não conhecem o indivíduo, mas o seu carácter é abjecto e a sua pessoa,
no mínimo, nojenta.
O que é interessante nisto não é a confirmação da tese de
Jason Brennan de que as pessoas que se interessam por política, na sua
esmagadora maioria, são hooligans. A
expressão não precisa de explicação adicional. Interessante é compreender o
potencial de intolerância que habita as pessoas, mesmo gente cordata e
inofensiva noutras circunstâncias. A cegueira para a virtude política de alguém
que não pertence ao nosso lado é uma negação da realidade. Contudo, essa
cegueira precisa de um imaginário excesso de visão. E é este que mostra a abjecção
– uma abjecção construída, claro – moral daquele que se despreza. O ataque ao
carácter é a expressão de um desejo profundo de aniquilamento do político
inimigo (inimigo, no coração; adversário, nas palavras). Na verdade, é um
assassinato simbólico o que se pretende realizar. As paixões políticas não são
inocentes e, caso não haja duras regras de contenção, elas têm um potencial de
violência desmedido.
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