Pierre-Paul Prud'hon, Christ on the Cross, 1822
2. Sexta-feira de Paixão
Talvez nos possas salvar da sombra feita de sombras
e haja ainda no rumor da paixão um ritmo de vida,
a música que nos abra para a sedição do sofrimento.
Nas linhas desenhadas na pele, o corisco do chicote
cresce para a noite de luar em que o corpo se enrola
e reverbera, mistério após mistério, glória após glória.
Transparência da tarde, a mais escura das tardes,
o sangue a gorgolejar na garganta e a força a deslizar
na flagelação dos braços, a cair no planalto da agonia.
A lança abre no flanco a fonte de água e sangue, uma luz
rompe a terra e o espírito abre-se à cizânia da escuridão.
Lacerado e sôfrego, o corpo bebe o vinagre da morte.
A cabeça derruída, a coroa de espinhos, a cruz nas
mandíbulas do silêncio. Por que abandonou o pai o filho
à ferocidade das trevas, ao trémulo tumulto do terror?
Março, 2018
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