segunda-feira, 19 de março de 2018

Um retrato

Jean Dieuzaide, Vieira de Leiria, Portugal, 1950

Pode-se olhar para a fotografia e ler nela o atraso de Portugal. A mulher vestida de negro, a criança enrolada no xaile da mãe, a água transportada à cabeça, isto no final da década de quarenta do século passado. Não seria uma visão despropositada. Contudo, seria uma visão que, ao prender-se a eventuais comparações com outros países, não apreenderia o essencial. A mulher que ali se vê é, na verdade, uma metáfora do país. Como ela, Portugal vive desde sempre um difícil equilíbrio entre a sua demografia e pobreza da vida material. A coerência e o comedimento que, no fundo, nos habitam devem-se a este prolongado - quase com 900 anos - jogo de concertação, de procura de um peso e de uma medida que não nos façam cair. Por vezes, o país escorrega, mas logo leva a mão à carga que transporta, puxa para si a criança que carrega num dos braço e levanta a cabeça para olhar em frente. Isto não faz de nós melhores que os outros, mas faz de nós aquilo que somos. E aquilo que somos resulta desse contínuo superar de desequilíbrios que poderiam ser mortais.

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