Joan Ponç, Comença el Gran Ball de les Bruixes, 1951
Estou perplexo com as reacções ao convite dirigido pelo
ISCSP da Universidade de Lisboa, uma universidade pública, pormenor não despiciendo,
a Passos Coelho para que, com o estatuto ou o vencimento, não sei bem, equiparado
a professor catedrático, leccione algumas coisas de que ele supostamente terá
experiência para dar e vender.
A minha primeira perplexidade é com as reacções da esquerda.
Em vez de vitoriar e alegrar-se com a conversão do antigo campeão político do
liberalismo português – havia quem o visse já como uma Thatcher de calças e
óculos que só não foi mais longe porque… –, com a conversão de Passos, dizia, ao
Estado social, acolhendo-se, em tempo de desdita, num emprego do mesmo Estado. Em
vez de protestar contra a contratação do antigo primeiro-ministro, os estudantes
e o povo de esquerda deveriam acolhê-lo com cravos, como mais um dos dele, um neoconverso
ao papel fulcral do Estado na sociedade. Mais, não só vai trabalhar para uma
instituição estatal, como vai ser cúmplice, pelo exemplo e enquanto professor, da
reprodução do amor ao Estado entre as novas gerações. Passos Coelho deveria
ser visto pela esquerda pelo menos – e é o mínimo – como um compagnon de route.
Não menos perplexo me deixa a imensa mole dos apoiantes de
Passos que agora vitupera a esquerda por o não querer como professor no ISCSP. O
lógico não seria essa gente – fundamentalmente, a brigada liberal e anti-Estado
– vir para as ruas e rasgar as vestes? Não deveria a direita social estar
furiosa por um deles, aquele que mais esperança lhe deu na liberalização do
país, ir agora acolher-se nos braços amáveis de um salário pago pelo maldito
Leviatã? Como é possível que O Observador
e os blogues associados não organizem uma manifestação contra a conversão de
Passos Coelho ao socialismo? Não deveria essa direita exigir que ele se
acolhesse numa instituição privada ou iniciasse um negócio e, assim, mostrasse
a sua veia de empreendedor?
O que se passa é que os princípios valem zero em Portugal. A
única coisa que conta é se ele é dos nossos ou é dos outros. Todo o burburinho
e indignação – de uns porque ele vai e de outros porque os do outro lado protestam
por ele ir – a que se assiste na esfera pública não passa de uma espécie de
Benfica – Sporting (ou de um Benfica – Porto, se acharem melhor) político. Toda
a gente de esquerda sabe que Passos Coelho tem experiência política suficiente
para transmitir. Toda a gente de direita sabe que o percurso académico de
Passos Coelho é medíocre. Não é isso, porém, que está em questão. O que move os
dois bandos, mais os comentadores de plantão, é apenas uma coisa: ele é dos
nossos ou é dos outros?
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