domingo, 27 de setembro de 2015

Caridade e esperança

Jean-Auguste Dominique Ingres - Hope and Charity

O Papa Francisco possui na sua agenda dois temas que deixam parte – talvez uma parte minoritária, mas poderosa socialmente – dos católicos perplexos. Trata-se da crítica ao regime económico mundial e as preocupações com o meio ambiente. A perplexidade desses católicos nasce de uma longa tradição, onde a sua distinção social era legitimada e afirmada através da sua ligação à Igreja Católica. Francisco parece querer fazer voltar a Igreja para aquilo que ela era antes do espúrio casamento com o Império Romano e a posterior ligação aos poderes políticos instaurados sobre os despojos do Império.

A questão ambiental desagrada aos que olham para a Terra como um imenso depósito de matérias primas a explorar, segundo o desejo dos homens, de alguns dos homens. Movem-se grandes campanhas para tentar desacreditar os estudos sobre aquecimento global e as práticas de usura de recursos e de destruição dos habitats naturais estão longe, muito longe, de serem acontecimentos raros. O que, no entanto, mais irrita certas elites católicas é a apreciação do actual regime económico mundial, o qual é fomentado por muitas universidades católicas e respectivos departamentos de Economia.

Francisco é claro. A ordem económica mundial torna as pessoas dispensáveis. Elas são meras coisas nas mãos da voracidade da elite mundial. Esta crítica é inaceitável para grupos de católicos pouco habituados a ver nos outos irmãos que, como eles, merecem o estatuto kantiano de pessoa. Uma pessoa é um fim em si mesmo, como lembra o artigo de hoje, no Público, de Frei Bento Domingues, e não um mero instrumento para fins de terceiros. A Francisco devemos, todos aqueles que acreditam numa ordem onde as pessoas e as comunidades são mais importantes do que o dinheiro, ter trazido o assunto para a primeira linha das preocupações globais. Devem também os católicos uma outra coisa. Devem o facto de Francisco lembrar que a caridade é mais do que um jogo onde os ricos brincam à caridadezinha, mas uma acto de amor que visa a liberdade e autonomia de cada um. O que não deixa de constituir um princípio de esperança.

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