Santiago Rusiñol - A morfina (1894)
Na relação entre a saúde e a doença há um momento a que por norma não damos muita importância, mas cujo ritual e simbólica não deixam de ter uma grande capacidade de revelação. Refiro-me à submissão do paciente - ou do possível paciente - aos exames médicos. São múltiplos e produzem relações com o corpo muito diferenciadas. Os que me interessam aqui são aqueles que implicam, na sua realização, uma espécie de dress code. A pessoa despe-se e veste uma bata. Esta experiência tem uma natureza que ultrapassa a mera circunstância do exame - algo que é necessário para revelar a saúde ou a doença - para nos dizer alguma coisa sobre o ser do homem. Dito numa linguagem mais filosofante é uma experiência ontológica.
Não se trata - ou não se trata apenas - de uma experiência de despersonalização, de despirmos as nossas roupas, as quais são dispositivos de diferenciação e de individualização, para nos vestirmos com um vestuário uniforme, que nos torna todos iguais, esconde a nossa personalidade e a nossa pretensão à singularidade. A experiência desse tipo de vestuário atinge-nos ainda de outra maneira. Em primeiro lugar, ela simboliza a nossa fragilidade. Funciona como uma metonímia que, por contiguidade, nos coloca perante a doença e, eventualmente, a morte. É uma revelação do nosso ser finito e da sua transitoriedade. Mas é mais do que isso. Vestimos essas batas e olhamos o espelho e o espectáculo é terrível, pois captamo-nos no nosso ridículo. O terrível do vestuário que nos é imposto nos exames médicos não está na despersonalização nem na manifestação da nossa finitude. Está na revelação de quanto somos ridículos e quão risíveis são as nossas pretensões. Apenas com uma bata por cima do corpo nu só podemos, ao olhar para nós, dar uma gargalhada. Esta, contudo, é uma defesa contra aquilo que, como um relâmpago, se manifestou: o facto de sermos, por maior que seja a nossa empáfia, pura e absolutamente risíveis.
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