Xaime Quessada - A Guerra (1967)
O drama dos milhares de refugidos que chegam - ou tentam chegar - todos os dias à Europa deve ser encarado de dois pontos de vista diferentes, embora complementares. Em primeiro lugar, deve ser olhado como um problema moral, um problema humanitário. Há um dever moral indeclinável de ajuda aos que fogem da guerra, aos que procuram salvar a sua vida e a dos seus. O dever de acolhimento inscreve-se numa perspectiva na qual os seres humanos não são tidos como meras coisas. Assim a Europa, ao ser solicitada para tal ajuda, tem o dever moral de acolher quem a procura, vindo de cenários de guerra terríveis. Este dever é incondicional. Mas se este dever incondicional parecer estranho a cada um de nós, então há que recordar que os europeus, há algumas dezenas de anos, também eram, aos milhões, refugiados de guerra.
O problema, porém, tem também uma natureza política. Esta tem uma dupla incidência, a montante e a jusante. A montante é preciso reconhecer que a Europa é co-responsável pela degradação política do Médio-Oriente e do Norte de África. Uma parte da Europa apoiou a ficção que levou à segunda invasão do Iraque. Uma parte significativa da Europa tomou parte activa na desagregação dos regimes políticos existentes no Médio Oriente e ajudou a criar condições para que toda esta tragédia acontecesse. A Europa está a colher aquilo que o Ocidente (Europa e EUA) semeou. Que semeou, diga-se, há muito. Ao dever moral humanitário de acolhimento junta-se aquele que deriva da responsabilidade política - seria melhor dizer: da irresponsabilidade política - pela desagregação das estruturas políticas, sociais e económicas de onde nos chegam os refugiados.
A jusante coloca-se um outro problema que, nos discursos moralistas, tende a ser apagado. Trata-se da integração política, social e cultural de pessoas com práticas morais, culturais e políticas muito diferentes das dos europeus. Se o dever de acolhimento é indeclinável, a prudência política aconselha que essa integração não se restrinja a um mero receber as pessoas sem, na verdade, as acolher e integrar. Há experiência suficiente na Europa para compreender como os choques culturais, se não forem sabiamente atenuados e resolvidos, degeneram em ressentimento social, em afrontamento cultural e em violência política.
Este problema não diz respeito apenas à questão de, entre os muitos milhares de refugiados, estarem integrados militantes jihadistas prontos para práticas terroristas. Trata-se de olhar a longo prazo e perceber que receber pessoas sem uma real integração gera ressentimento, ódio, medo e violência. E gera-os de ambos os lados, dos que chegam e dos que estão. Sejamos claros: este problema é real. A sua realidade não significa, contudo, que ele impeça o cumprimento do dever moral de receber quem procura auxílio. Dito de outra maneira: há que, moralmente, acolher e cuidar daqueles que fogem dos teatros de guerra; há que, politicamente, ter a prudência necessária (uma prudência positiva e activa e não negativa e reactiva, de erguer muros e fechar fronteiras) de encontrar, desde já, estratégias de integração que evitem problemas futuros. Não basta cumprir formalmente o dever moral de receber quem pede auxílio. É necessário preparar uma activa integração social e política.
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