quarta-feira, 30 de setembro de 2015

A erótica eleitoral


O voto (elemento masculino) penetra na fenda da urna (elemento feminino) e o acto fica consumado. Esta analogia rasteira entre o exercício de voto e o acto sexual não é apenas uma comparação de mau gosto, um devaneio de um eleitor frustrado. Um daqueles acasos, em que a realidade é pródiga, acabou por simbolizar no acto de votar o erotismo presente numas eleições democráticas. Há todo um investimento libidinal que leva os eleitores às mesas de voto. Não é a racionalidade do dever cívico que é o motor do comportamento do eleitor não abstinente, mas o desejo. Que desejo é esse? O desejo de a realidade social se conformar com aquilo que necessitamos, com aquilo em que acreditamos, com os nossos projectos, em resumo, com a nossa felicidade. E, como todos sabemos, a felicidade é o objecto último de todo e qualquer desejo.

Pensar-se-á, então, que os eleitores abstinentes sofrem de uma perturbação da esfera erótica, uma impotência – talvez congénita – perante a fenda que espera a semente do seu voto. Em leituras com uma inclinação mais terapêutica, poder-se-ia mesmo dizer que esses eleitores precisariam de um viagra ou de um addyi (o viagra feminino) eleitorais. As farmácias de serviço – isto é, os partidos concorrentes – têm sido incapazes de encomendar a medicação e os abstinentes continuam sem desejo de ir votar. No entanto, devemo-nos perguntar se esses cidadãos serão mais doentes do que nós, os eleitores que enfrentamos os recessos da urna. Não será o nosso investimento libidinal no acto eleitoral uma patologia?

É certo que se decidem coisas importantes numas eleições, mas a verdade é que segurança pública, defesa externa, educação, saúde, impostos, etc., etc. são matérias de uma chatice incomensurável e que não dão ponta a quem quer que seja. São assuntos dignos de verdadeiros contabilistas, de gente que sabe usar a sua razão calculadora para precisar os ganhos e as perdas. O normal seria, então, que em vez de irmos votar cheios de desejo de um mundo melhor, onde seríamos ilimitadamente felizes, fôssemos direitos à urna de voto, máquina de calcular na mão, a fazer contas à vidinha. Nada de erotismo, nada de desejo, apenas a rude frieza daquelas homens que copulam, no calendário acertado, a mulher para cumprir o dever matrimonial. Isto seria uma relação saudável com as eleições. Mas embarcámos num terrível transfert e deslocámos o objecto do nosso desejo de felicidade para estruturas políticas anónimas e impessoais, cuja função está longe de ser satisfazer os nossos desejos e o ardor da nossa libido. Este transfert é uma verdadeira patologia, uma perversão da bênção que o deus Eros derramou sobre os mortais. E o que não falta por aí é gente apaixonada pelo amanhã que cantará se o seu partido ganhar.

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