Albert Rafols Casamada - La emoción y la razón (1965)
A propósito da vitória do Benfica, ontem em Madrid, recupero,
adaptando, um texto antigo, a propósito dos 100 anos do SLB, sobre a paixão do
futebol, a minha paixão, entenda-se.
Devido à influência da filosofia e das ciências, o uso da razão
encontrou, nas sociedades modernas, uma hipervalorização. Mas a razão é uma luz
que se enraíza no que há de mais obscuro no ser humano. Esse lado sombrio,
esquivo à investigação, fugidio à claridade, manifesta-se nas múltiplas paixões
dos homens: sejam as eróticas, sejam as da violência e do poder, sejam as do
gregarismo e da pertença à comunidade. É deste lado umbroso que vou falar ao
falar dos cem anos de fundação do Benfica, do meu clube do coração. Não por
acaso emprego a palavra coração. Ninguém é adepto de um clube por um acto
racional, por um cálculo utilitário, por uma razão ética. Ser-se do Benfica, do
Porto ou do Sporting não está nas nossas mãos, fomos escolhidos mais do que
escolhemos.
Das múltiplas paixões que me acometeram, a do Benfica é a mais
persistente. Desde que me conheço que me sei “encarnado”. Posso traçar uma
arqueologia dessa pertença, posso reconhecer a influência de meu pai, recordar
a memória de meus tios também benfiquistas, apontar ainda o facto de ter
crescido nos anos sessenta, nos anos gloriosos do clube. Posso racionalizar
razões de pertença e dizer o prazer de fazer parte de um clube que combina uma
forte raiz popular com um toque aristocrático dado pelo Dr. António Borges
Coutinho, posso acentuar o prazer de não pertencer à família possidónia dos
lagartos, etc., etc. Tudo isso é verdade, mas nada explica uma paixão, nada esclarece
a alegria por um golo que é marcado ou a decepção por uma derrota.
As sociedades modernas racionalizaram os modos de vida e
burocratizaram o mundo, mataram Deus e a vida comunitária, aniquilaram os símbolos
e a festividade espontânea das sociedades tradicionais. Ora o futebol vem
preencher esse lugar vago. Ele dá-nos sentimento de pertença e de partilha de
valores, substitui a razão pelas emoções. Onde o homem moderno propõe
argumentos, o futebol devolve-nos símbolos e uma festa garrida onde a cor dos
clubes se combina com os sentimentos da alma. O futebol mostra-nos o outro lado
de nós mesmos, mostra-nos que as nossas razões se erguem sobre paixões sem fim.
Não há nada fazer! Resta apenas a esperança que amanhã sejamos campeões. Para
quê? Para nada e para tudo, para que o coração se alegre e a vida tenha um
momento de festa antes que o fulgor da morte sobre ela se abata. E isto é uma aspiração
de todos ou como diz, em tradução livre, a divisa do Benfica: De todos e de
cada um (E pluribus unum) (Jornal Torrejano, Abril de 2004)
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