O não ter ganho as eleições pode ser a menor das derrotas que os
socialistas sofreram no domingo passado. Comecemos, porém, pela parte trágica
da derrota de António Costa. Se os políticos tivessem a paciência e o interesse
para meditar sobre as tragédias de Ésquilo, teriam muito menos dissabores. Seja
o que for o que pensemos de António José Seguro – e eu penso, do ponto de vista
político, muito mal – o acto de desafio de António Costa foi marcado por uma hybris (excesso, desmedida) que não
augurava nada de bom. As erínias, essas vingadoras, fariam ouvir o seu zumbido
quando fosse a hora menos propositada. Neste caso, foi no domingo. Mas onde se
encontra o excesso de Costa? Em pretender que tinha a dar ao eleitorado algo
que Seguro não tinha. Esta foi uma presunção fatal e é um dos grandes problemas
dos socialistas.
Os socialistas portugueses – como os seus congéneres europeus – estão reféns
das suas opções, aquelas que foram tomando ao longo das últimas décadas, e que
não os diferencia em nada da direita. A principal derrota dos socialistas está na
constatação de facto que, depois de terem liquidado a social-democracia que os
orientava, não servem para nada. As políticas que propõem – salvo uma palavra
aqui e outra ali, com paladar mais social – não se distinguem das da direita. E
a maioria dos eleitores que votou nos partidos adeptos da austeridade preferiu
a direita genuína em vez de uma direita com um nome de esquerda. O papel que os
socialistas europeus tiveram no século XX acabou. Deixou de haver um meio-termo
entre o liberalismo da direita e os sonhos marxistas da esquerda radical,
digamos assim, deixou de haver lugar para uma moderação, como o próprio
programa económico dos socialistas reconheceu.
Não menos preocupante é a fuga de votos do PS para o BE. É já segunda
vez que acontece, mas não se trata da mesma coisa. E nesta diferença reside uma
das grandes derrotas dos socialistas. Da primeira vez, os votos fugiram para o
BE devido a Sócrates. Ninguém já suportava o homem nem a sua ministra Lurdes
Rodrigues, nem os malabarismos de um governo arrogante. António Costa, porém, é
diferente, não tem atrás de si governações polémicas, e vinha com boa imagem da
Câmara de Lisboa. Tudo isso, contudo, não foi suficiente para segurar a esquerda
do PS nem para atrair o voto que se deslocou directamente da direita para o BE.
Ora os eleitores estão a fazer uma experiência. Muita gente que nunca votaria
CDU não terá problema, como já se viu, em votar BE. E esta experiência pode
acabar por fixar um eleitorado do BE bem superior aos seus 5% habituais. Os
socialistas devem ter saudades do tempo em que à sua esquerda só existia o PCP.
Estes dois factores – ausência de um papel político específico e
emergência de uma força política, o BE, capaz de penetrar em eleitorados onde o
PC nunca entrou nem entrará – conjugados com a imagem do partido (casos
Sócrates, Vara e de uma multidão de pessoas que, não tendo problemas com a
justiça, ninguém suporta) conjugam-se numa síntese que deveria deixar os
dirigentes socialistas – e todos aqueles que, com a derrota de domingo, acham
que devem brincar às Electras e aos Orestes – de cabelos em pé. Estas eleições
podem (escrevo podem e não foram) ter sido a porta para o aniquilamento do
velho Partido Socialista. Não ter sido o primeiro partido, não ter ganho as
eleições, foi a menor das derrotas dos socialistas.
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