Odilon Redon - O pensamento (1880)
Com tanta mente exaltada (pessoas que já vêem
os tanques soviéticos a caminho de Portugal, esquecendo-se que a URSS já acabou e que o camarada Estaline já morreu há muito)
por causa da hipotética possibilidade de formação de um governo de coligação à
esquerda, a melhor forma de intervir na exaltação é republicar um texto escrito
nos 200 anos da morte de Immanuel Kant, cujo título é Pensar. Não tem nada a ver com o assunto, mas era bom que as pessoas, antes de se inflamarem, pensassem.
Passam agora 200 anos
sobre a morte de Immanuel Kant. A maioria dos portugueses nunca deve ter ouvido
falar dele. Contudo, se há alguém que marca, ainda hoje, os ideais e as formas
de vida política que reconhecemos como válidos e dignos de respeito, esse
alguém é precisamente o filósofo de Konigsberg.
O Professor Kant, todavia, está nos antípodas
daquilo que a nossa sociedade promove: não teve uma vida espectacular, não
acumulou aventuras amorosas, se é que teve alguma, não foi rico, levou uma vida
austera, disciplinada e de trabalho intelectual sério. Apesar de ter sido um
inovador, nunca foi um homem da moda. Aquilo que ele fazia – pensar – não
merece, de qualquer aluno das nossas escolas ou de qualquer condottiero da opinião pública, mais do
que um esgar de desprezo.
O que, no dia de hoje, se deverá homenagear
não será tanto os seus pensamentos, as grandes realizações ao nível da filosofia
do conhecimento, da moral, da estética, do direito ou do pensamento político. O
que é digno de homenagem, num mundo votado à voracidade da acção, submetido à
eficácia da técnica e centrado na pura exibição da vaidade pessoal, é o próprio
acto de pensar. Numa conferência de 1955, Heidegger, outro pensador alemão,
referia que o “Homem actual está em fuga do pensamento”.
Essa fuga é o maior dos perigos para a
humanidade, pois representa a alienação daquilo que a distingue no concerto dos
seres que habitam a Terra. Este Homem que está em fuga do pensamento está em
todo o lado: nas escolas, nas universidades, nas empresas, no Estado.
Fundamentalmente, na comunicação social. É este homem que educa as novas
gerações no desprezo não apenas pelo acto de pensar, mas também pelas virtudes
que Kant ostentava: a sobriedade, a moderação, o trabalho dedicado e, acima de
tudo, a modéstia que distingue aqueles que efectivamente são grandes.
As últimas palavras de Kant – «é bom.» – são
enigmáticas. Não se sabe, naquele momento em que a morte e a vida por uma
última vez se juntam, se era uma avaliação da vida ou uma saudação da morte que
o filósofo moribundo fazia. Tenho para mim, porém, que era apenas uma palavra
de esperança: uma afirmação do que é bom, isto é, da bondade, desse valor
supremo que há que distinguir do mal e da perversão. É bom pensar! (Jornal Torrejano, Fevereiro de 2004)
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