Max Ernst - Os deuses obscuros (1957)
O obscurecimento de Deus trazido pelo Iluminismo, visto a partir da nossa experiência de hoje, tem um curioso resultado. A luz da razão - essa luz que dá nome ao Iluminismo - concentra-se no mundo material, na conhecimento da matéria e na organização da sociedade. O foco, com o passar do tempo, tornou-se cada vez mais forte e poderoso. Onde ele se concentra, nada fica como está. Conhecimento e organização social, ainda que de formas diferentes embora concomitantes, passam continuamente por alterações umas vezes mais reformistas, outras mais revolucionárias, mas em ambos os casos a luz traz a impermanência e a alteração contínuas.
A focalização da luz nestas áreas veio a criar, à volta delas, espaços de obscuridade. Estes espaços não são o lugar do Deus que o Iluminismo afastou e que fez o homem abandonar. Esta obscuridade, que se infiltra nos interstícios do mundo material e da vida social, é o lugar onde emergem os deuses obscuros que povoam os sonhos, mas não tanto a consciência, dos homens de hoje. Estes deuses obscuros, fundidos à obscuridade gerada pela focalização da luz da razão, tomam os homens de assalto sem que estes tenham a possibilidade de lhes resistir ou, tão pouco, tomar conhecimento desses assaltos. Prestam-lhes culto pensando que é a si mesmos que cultuam. Na verdade, toda a vida contemporânea está organizada como um grande ritual em honra desses deuses obscuros que não reconhecemos mas a quem amamos e obedecemos.
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