Joan Ponç - Suite Toros (1953)
O clima pós-eleitoral em Portugal, com o grau inusitado de intolerância que tem vindo à luz do dia, é apenas o sintoma de uma doença que alastra por todo o planeta. De há uns anos para cá, tem sido clara a ascendência de ideias e práticas que, em vez de buscarem compromissos, são pautadas pelo desejo cego de aniquilar moral ou fisicamente o outro. A queda do Muro de Berlim, que pôs fim a um período de intolerância controlada, não deu lugar a uma situação mais tolerante e menos perigosa. Alguns exemplos bastam para percebermos que aquilo que agora se manifesta em Portugal, suscitado por resultados eleitorais equívocos, é apenas o reflexo de uma doença que corrói as entranhas da humanidade.
O exemplo mais flagrante é o do fanatismo religioso proveniente do Islão. Não é o único fanatismo religioso, mas é aquele que mais vítimas faz e que tem um programa claro de amedrontamento e de liquidação do outro. O regime chinês também não se caracteriza pela brandura com que trata os opositores. Muitos regimes africanos seguem, de forma mais irracional, o padrão chinês. Na América Latina, do Brasil à Venezuela, a intolerância política cresce todos os dias. Nos EUA, onde havia uma longa tradição de compromisso entre republicanos e democratas, há muito que se vive em grande tensão, com os republicanos a liquidarem, sempre que podem, as iniciativas dos democratas. A própria União Europeia, através de um conjunto de tratados e de organismos não democraticamente validados, aniquilou a possibilidade de alternativas políticas, o que, apesar da aparente brandura, não passa de uma forma refinada de intolerância política, que por vezes se manifesta com extrema brutalidade como no caso da Grécia. Para não falar de outros casos, como a Hungria ou a Rússia.
Parece haver por toda a parte uma necessidade de destruir o outro. Destruir as suas ideias políticas, a sua visão moral do mundo, as suas crenças religiosas. Estão-se a formar grandes conglomerados unidimensionais que lutam por impor, num mundo globalizado, a sua visão do mundo, como se o pensar e o viver de outra forma fosse uma afronta impossível de suportar. Não é que não existam contra-exemplos, como o do actual Papa e de muitas outras figuras religiosas, políticas, do campo da cultura, etc. ou dos movimentos de acolhimento de refugiados que emergiram agora na Europa, mas a energia da intolerância parece crescer todos os dias, alimentada por um desejo de triunfo e esmagamento que parece ser infinito. A continuarmos assim, o prognóstico não é lá muito animador. E não faço ideia como será possível, não digo sequer acabar com este desejo de aniquilação do outro, mas reverter a situação, tornar as posições de tolerância mais dinâmicas e as de intolerância menos enérgicas. E temo que ninguém saiba como domar o touro da intolerância.
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