Oscar Dominguez - Libertad (1957)
Como muitas vezes acontece, a perversidade pode nascer daquilo que tem
um valor intrinsecamente bom. A democracia e o conjunto de direitos que estão
na sua base, entre os quais os direitos sociais, são coisas que têm um valor intrinsecamente
bom. Move-os o respeito pela liberdade, pela pluralidade de pontos de vista, pela solidariedade comunitária e pela partilha vantajosa para todos de recursos
escassos. A perversidade inscreve-se numa das atitudes que geram o fenómeno da
abstenção política. Essa atitude é a da decepção.
Essa decepção pode ter várias motivações. Por exemplo, a decepção com
a pouca qualidade das elites políticas. Aquela decepção que, porém, é a mais
perversa é a que radica na expectativa de que os políticos e a política teriam
de tornar as pessoas felizes, teriam de contribuir decisivamente para o
bem-estar individual. O corolário desta perspectiva é que a minha infelicidade
não se deve a mim, mas que eu sou vítima da malevolência de terceiros. A
punição é a da abstenção política e um ódio contumaz a todos os que se dedicam
à política.
É evidente que as opções políticas favorecem ou prejudicam certos
grupos, mas, em última análise, eu tenho de ser responsável pela minha
felicidade e não posso esperar que ela me seja oferecida pela benevolência do
governante. A perversão que a política introduz reside na expectativa de que a
minha vida deva ser resolvida por outros. Isto significa que eu não sou livre
e, por isso, estou destituído de toda e qualquer iniciativa. O grande desafio
que se coloca é compatibilizar uma democracia política com direitos sociais e o
desenvolvimento nos cidadãos um sentimento de responsabilidade última pelos
seus destinos, o sentimento de ser senhor de si.
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