Remedios Varo - Insónia I (1947)
Na insónia, descobre-se a estranha e radical alteridade do corpo. O
espírito e a vontade ordenam o sono, mas o corpo em tumulto invade o pensamento
e gera rios de pensamentos que parecem não ter fim. São pensamentos insones, pensamentos não
pensados, mas impostos pelo devir heraclitiano dos humores corporais. O corpo
rola na cama, mas a cabeça não pára no atafulhamento que o corpo, esse grande
inimigo dos ascetas, lhe impõe. A insónia vem, por norma, devagar, instala-se
como quem não quer a coisa, sugere temas a merecer meditação ou urgente e clara
resolução. Aqui já está tudo perdido e ao insone resta-lhe abdicar da sua
vontade, agora manifesta em toda a fragilidade, levantar-se e espreitar a noite
que corre decidida para a manhã. Na insónia, descubro-me como dois e ao levantar-me
confesso a minha incapacidade de soldar com firmeza essas partes de mim. (averomundo, 2008/03/10)
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