El Greco - La expulsión de los mercaderes del templo (1600
O comércio é talvez a actividade que fundamenta o espírito liberal
europeu. Antes da emergência da indústria moderna, são os mercadores que lançam
o alicerce onde a ideologia liberal ganhou fundamento. Mas o prestígio da
actividade é, na história do Ocidente, muito recente. Se se olhar para o
espelho da religião, descobre-se, com facilidade, a raiz do velho espírito
antiburguês e antiliberal ocidental.
Quem não conhece a história dos vendilhões do templo corridos a
chicote por Cristo. Mas este espírito não sopra apenas da vertente
judaico-cristã da nossa cultura. Também da vertente greco-latina sopra um
espírito pouco simpático para o comércio. Hermes, Mercúrio na versão romana,
era ao mesmo tempo o deus do mercado, protector dos comerciantes e dos ladrões.
Nada destas coisas acontecem por acaso e são reveladores de um determinado
espírito.
O que eu acho mais curioso é certa combinação, numa mesma individualidade,
de um espírito liberal e de um espírito tradicionalista, como se ambas as
coisas se pudessem casar. Se se atentar nas redes sociais, descobrimos um
exército dedicado de liberais, a maior parte tradicionalistas e monárquicos,
sempre prontos a denunciar o espírito antiliberal dos que vivem ajoujados à
ideologia do socialismo. Eu que não vivo tal ajoujamento, fico espantado com
tão grande limitação do conhecimento histórico.
As ideologias socialistas (falo no plural, pois elas são múltiplas) são
apenas a espuma de uma atitude histórica muito anterior ao nascimento do
liberalismo e do socialismo. Essa atitude é inerente aos fundamentos da nossa
cultura e liga-se a uma crítica cerrada ao espírito burguês. Esta crítica pode
ter uma origem aristocrática, ou sacerdotal, ou proletária, mas o motivo é
sempre o mesmo: o egoísmo que superintende à mentalidade liberal-burguesa. O
conflito centra-se entre um ideal de serviço (presente no 1.º, 2.º e 4.º
estados) e o pragmatismo egoísta do 3.º estado.
Os liberais sofrem de um défice de compreensão histórica. A ideia de
tábua-rasa, aplicada por John Locke à natureza da mente antes da experiência
sensível nela inscrever as ideias, acabou por contaminar o espírito liberal.
Faz-se tábua rasa de todo o passado histórico, como se o homem tivesse nascido
com o Iluminismo. Não nasceu. Quando damos demasiada ênfase aos acontecimentos
de momento, ficamos incapazes de perceber a raiz de muitas atitudes e a
sabedoria que nelas se esconde. (averomundo, 2008/01/31)
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