Frederic Leighton - Antígona
Talvez com as excepções de ter começado a andar aos 10 meses e de me ter
iniciado também cedo no uso perceptível da linguagem, nunca fui precoce no que
quer que seja. Pelo contrário, em mim as colheitas são tardias e os frutos, por norma, nunca
são temporãos. É preciso ter isto em conta para considerar a minha
afirmação de que li cedo o Édipo Rei e a Antígona, ambas as obras tragédias de
Sófocles. Li-as cedo, mas não com a precocidade dos génios. Li-as na velha
edição dos livros RTP, o que não deixa de indicar alguma coisa sobre o país em
que vivia, e sobre mim exerceram um continuado e nunca extinto fascínio. Mais
do que Édipo, a figura da sua filha Antígona, resultado da incestuosa relação
com Jocasta, constituiu-se numa referência fundamental.
Polinices e Eteócles, irmãos de Antígona, batem-se até à morte pelo
trono deixado vago pela expulsão de Édipo. Creonte, tio de todos eles, é o novo
rei e decreta cerimónias fúnebres para Eteócles e o abandono, ao ar livre e à
voracidade das feras, do corpo de Polinices, tomado como traidor à cidade de
Tebas. Contrariar esta decisão equivaleria incorrer na pena de morte. Não é o
gesto de piedade de Antígona – a sua tentativa de dar sepultura a Polinices –
que me marcou, mas o desafio ao poder, o desafio à ordem de Creonte. O trágico destino
de Antígona mostrou-me, muito cedo, o lado obscuro do poder, aquilo a que eu
chamaria a natureza creôntica do poder político, uma mistura de razão de Estado
e de irracionalidade. Não é que isso tenha, alguma vez, feito de mim um
anarquista, mas sempre que olho para o poder, aquilo que em mim olha de
imediato são os olhos de Antígona, que nunca mais deixaram de estar abertos no
fundo da minha alma, e aos quais devo a libertação de certas miragens e de alguns enviesamentos ópticos.
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