Vincent Van Gogh - Paisagem outonal ao crepúsculo (1885)
Por vezes não se pode deixar de ficar seduzido pelos jogos da linguagem. Talvez a sedução nasça daquilo que esses jogos nos permitem imaginar. Tomemos a ideia de Ocidente. O Ocidente designa uma forma de estar no mundo, aquilo a que vulgarmente se chama uma civilização. Designa também o lugar onde o Sol se põe, para transpor a fronteira que separa o dia da noite. A ligação entre estas duas ideias há muito que faz o seu caminho. A nossa forma de estar no mundo seria assim crepuscular. A luz já não incide directamente sobre nós, mas ela ainda não se desvaneceu. Permanece por um instante - e um instante podem ser séculos - antes que tudo mergulhe na negra noite.
Deixando-nos seduzir pela linguagem, podemos pensar que, ao contrário do que dizemos, o nosso modo de estar no mundo deixou de ser - ou nunca foi - luminoso, isto é, o resultado de uma visão clara e distinta da realidade. Aquilo que vemos deve-se apenas à fraca claridade que persiste uns instantes após o ocaso. Esta ideia tem uma consequência que não é de pouca importância. Aquilo a que damos importância, o conjunto de actividades que despertam a paixão dos homens ocidentais, os valores que sustentam essas actividades, tudo isso é o resultado do lusco-fusco, o qual, enxameando a terra de sombras, distorce a nossa visão.
As nossas paixões, os nossos valores, os nossos conceitos, razões e saberes (na sua multiplicidade) não seriam mais do que os filhos de uma distorção provocada pelo crepúsculo em que vivemos. Seria algo de semelhante que Platão pensou na Alegoria da Caverna. A grande diferença é que a imaginação de hoje leva-nos a pensar que a caverna não é outra coisa senão a nossa civilização, a nossa forma de estar no mundo. É isto que muitos não ocidentais - também eles seduzidos pelos jogos de linguagem - pensam de nós. Pôr-se no lugar do outro talvez seja um exercício que nos permita começar a responder à questão: quem somos nós?
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