Salvador Dali - Metamorfosis del rostro de Hitler en un paisaje de claro de luna con compañia (1958)
O senso comum, aquele que se expressa pela boca do homem do táxi, tem
a estranha intuição da maldade natural do homem político. A opinião
esclarecida, pelo contrário, tende a compreender o homem político na sua
relação com a comunidade e o bem comum, ou com os interesses gerais que esse
homem representa. Por norma, embora isso esteja a mudar rapidamente por pressão
popular ou populista, há uma tendência para separar a vida pública e a vida
privada do político.
Mas a verdade, porém, é que, com essa separação, o político se torna
incompreensível. A raiz da sua compreensão não está na obra que realiza, mas
nos impulsos que o levaram a procurar o caminho político. É nos devaneios do
seu eu, no mais secreto de si, que reside a chave para uma compreensão dos seus
actos. Grandes palavras e grandes actos era o desígnio dos heróis homéricos e
essa busca da grandeza habita, ainda hoje, os sonhos do mais insignificante
presidente de junta de freguesia. É verdade que muitos não ultrapassam os
níveis extremos da vileza e da insignificância, incapazes e impotentes, no
efectivo sentido da palavra.
Mas como aferir essa grandeza? No número de vidas destruídas, como
muito bem o sabe Ulrich, o homem sem qualidades, personagem do romance de
Musil. Os grandes heróis homéricos, os que combateram na guerra de Tróia
tornavam-se grandes não apenas pelas palavras que proferiam, mas pelas vidas
que ceifavam. A grandeza do político funda-se então nesse trabalho de
destruição. Não me refiro apenas às grandes personagens históricas, a Alexandre
da Macedónia, ou a Júlio César, ou a Bonaparte, ou a Hitler, ou a Robespierre,
ou a Estaline, ou ao Marquês de Pombal. Também nas democracias a grandeza nasce
das vidas que, secretamente, se destroem.
Se ainda por um momento nos iludimos com o político democrático,
talvez isso se deva à fragilidade da nossa faculdade de julgar, aos devaneios
trazidos por uma democracia jovem e às ilusões que a Europa viveu durante a
Guerra-fria. Agora que todas as ilusões acabaram, a natureza do político, mesmo
o democrático, vem ao de cima: a busca da grandeza funda-se no número de vidas
destruídas. A retórica reformista não é mais do que a legitimação da busca de
grandeza por um ego que, apesar de se ocultar na privacidade, espera encontrar
no espaço público o lugar da glória através da destruição de vidas. Hoje, na
vida das sociedades de direito, o político não destrói vidas através do
assassínio, fá-lo através da lei. Mas o impulso homicida que funda o lugar do
poder lá está, pronto para saltar se lhe for dada oportunidade.
Que a glória política esteja ligada à destruição de vidas é um dos
enigmas maiores da história da espécie humana. Que os próprios homens,
potenciais vítimas do furor de glória do político, só reconheçam grandeza
àqueles que têm verdadeira capacidade de carrascos, não é também mistério
despiciendo. Mas como se explicará que, apesar de uma experiência de milhares
de anos, ainda não consigamos perceber que o poder não é apenas o lugar do mal,
mas a oportunidade do mal absoluto? Razão tinha o teórico da contra-revolução
francesa, o reaccionário Joseph De Maistre, em ver no carrasco a figura central
da comunidade política. A contrapartida da grandeza de uns é a acção do
carrasco, real ou metafórico, sobre os outros. Aos homens comuns não lhes deveria
importar quem tem o poder, mas o modo de o limitar, seja a quem for. A bondade
da democracia não está na possibilidade de escolher quem maneja o cutelo, mas
limitar o mais possível aquele que ocupa o lugar do poder. De certa forma, os
únicos políticos que servem o cidadão são os que estão na oposição e apenas
enquanto lá estão. (averomundo,
2008/04/17)
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