A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
A actual pré-campanha eleitoral parece um estranho episódio
neo-realista. Talvez isto não seja uma especificidade portuguesa. Talvez todas
as campanhas eleitorais tenham uma natureza neo-realista devido à clivagem
entre direita e esquerda. Este cenário neo-realista é o retrato impiedoso de um
país atado de pés e mãos pela sua própria economia e pela impotência do Estado
em mobilizar a comunidade para alterar a situação.
O grande problema de Portugal talvez não seja político nem financeiro.
Talvez seja económico e prende-se com a desadequação de grande parte das
empresas (empresários e trabalhadores) às exigências de um mercado global e à
necessidade constante, para poder sobreviver num clima muito competitivo, de se
reinventar continuamente produtos, técnicas e organizações. O drama de muitas empresas
é que são dirigidas por pessoas mais adequadas ao século XIX do que ao XXI. A
tragédia de muitos desempregados é a sua desadequação tecnológica. O peso do
passado é terrível.
Houve dois governantes que perceberam o cerne do problema. Guterres e
Sócrates. Perceberam que o triângulo Educação – Tecnologia – Ciência era o
motor da reversão da situação. Deste triângulo, devido à inteligência e à
persistência de Mariano Gago, Portugal deu passos decisivos, agora em vias de
destruição, nas áreas da ciência e da tecnologia. A grande falência – para além
da dificuldade de fazer penetrar o conhecimento e a inovação tecnológica no
tecido empresarial – foi a educação. Desde a visão romântica de Guterres aos
devaneios tecnológicos de Sócrates falhou-se o essencial: a construção de uma
escola pública de grande qualidade e adequada às exigências do mundo de hoje.
Também a escola portuguesa continua mais perto do século XIX do que do XXI.
Também aqui o peso do passado é terrível.
A educação e a formação são as chaves para abrir alguma possibilidade
de futuro para o país. Elas só funcionam, contudo, se o investimento público na
área for pensado tendo em conta o país que existe (e não o que se inventa) e se
for acompanhado por uma exigência rigorosa na vida escolar e na formação. O
problema é que o peso do passado impede de olhar a situação. A direita a única
coisa que pensa é destruir o ensino público, fiel a um antigo sonho de entregar
as escolas a supostos empresários da educação. Os socialistas, presos à sombra
das paixões de Guterres e dos devaneios de Sócrates, pouco mais têm a dizer
sobre a matéria. Os outros, seja o que for que digam, não contam. Em vez de
pensarmos rigorosamente o futuro, continuaremos presos ao neo-realismo que
alimenta direita e esquerda. Terrível o peso do passado.
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