Tomás Yepes - Natureza morta: figos numa paisagem
Para a Ivone Mendes da Silva
(por causa do problema do clima local)
Desfaço nas mãos os figos, os fios
fugazes de setembro, enquanto o seu leite
escorre pelas folhas verdes que
os envolvem. Esses figos, que me traziam
em cestos de vime, eram mel na boca
que os saboreava…”
(Nuno Júdice, "Estrela", in Pedro Lembrando Inês, Cotovia 2001)
Leio estes versos
de Nuno Júdice e sou tomado por um súbito estremecimento. Se há fruto de que
não goste, é o figo. A excessiva doçura, os grânulos que se desfazem na boca, a
textura mole, tudo isso me inclina a fugir do fruto da figueira.
Mas o meu
estremecimento não se deve a uma reacção negativa à evocação do fruto por parte
do poeta. Estremeço porque sou levado a ver a realidade de uma outra maneira.
Vivo num mundo onde figueiras e figos fazem parte de uma economia - em tempos,
omnipresente - que se desvanece. Até ao momento em que li o poema nunca tinha
percebido a verdadeira natureza do figo.
Figos são os
fios fugazes de Setembro. Mais do que frutos, são ligações (fios) que unem as
horas de Setembro à roda do tempo. Aprendo que não há tempo humano sem esta
experiência que integra esse tempo do universo, mudo e indizível, na realidade
viva dos homens: Setembro é, como qualquer outro, um mês fugaz, mas a sua
fugacidade ganha figura e vem à linguagem: Setembro, o mês dos figos, desses
frutos trazidos em cestos de vime e que eram mel na boca que os saboreava.
A linguagem
poética, ao destruir a linguagem banal do quotidiano, abre-nos para o mundo e
os nossos olhos deparam-se com paisagens nunca vistas. Agora posso dizer o
fruto de Setembro e imaginar o mês que vivemos como uma grande árvore, onde as
raízes nos ligam ao centro da terra, mas os ramos nos apontam um céu
incomensurável. Entre o céu e a terra é o lugar do homem e o mês de Setembro é,
como o figo, o fio fugaz que nos liga à memória de um calor estival que se vai
e ao Outono que anuncia os dias frios do Inverno por vir.
Pela poesia,
encontro o meu lugar no mundo e descubro esse mundo mais habitável. Enquanto
Setembro for o mês dos figos, os homens habitarão a terra e mesmo que o terror
dos dias ensombre a vida dos mortais, haverá uma réstia de esperança para
aqueles que os deuses esqueceram. Não gosto de figos, mas o poema de Nuno
Júdice ajudou-me a amá-los, a eles que são os fios fugazes de Setembro. (Jornal Torrejano, 2007)
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