Os períodos eleitorais são momentos privilegiados para observar a natureza humana. A indecisão dos indecisos, a indiferença dos indiferentes e a paixão dos que possuem uma forte identidade política. Estes, os que têm uma forte identidade política, merecem uma atenção especial. As redes sociais são um óptimo lugar para observar comportamentos e atitudes políticas. Como frequento o facebook e possuo amigos de direita e de esquerda tenho um campo de recolha de informação e de análise interessante. A primeira questão que se pode colocar é a seguinte: pessoas de direita e de esquerda têm atitudes não digo já opostas mas diferentes? Apesar de expressarem ideologias e opções de voto radicalmente diferentes, a sua atitude perante a política é, na verdade, semelhante.
Daqui nasce uma segunda questão: o que é que torna semelhante a atitude de pessoas com opções políticas tão diferenciadas? Se observarmos atentamente, descobrimos os traços fundamentais dessa identidade. Em primeiro lugar, uma grande paixão pelos assuntos políticos. Em segundo lugar, um discurso ordenado segundo a visão global da área política a que pertencem, sem capacidade de reflexão autocrítica. Em terceiro lugar, uma incapacidade radical de se pôr no lugar do outro e de escutar as razões profundas das opções desse outro, mesmo que por vezes, numa atitude de condescendência eleitoralmente motivada, se finja que se escuta o outro. Podemos resumir estas características em três palavras: paixão, dogmatismo e autismo.
Uma última questão: por que razão a atitude política, daqueles que se interessam pelo fenómeno, é marcada por estas características. Uma visão naïf seria dizer que isso se deve, no fundo, ao interesse de classe. Não que isso seja falso, mas é apenas um aspecto do problema. O problema central é que a identidade política, em muitos de nós, é um elemento central da nossa subjectividade, da nossa identidade pessoal. Pôr em causa os pressupostos e crenças políticas que são as nossas é sentido como uma ataque dirigido ao nosso próprio ser, à nossa identidade, uma ameaça de dissolução do nosso ego. A paixão política é menos uma paixão por ideias e projectos e mais uma paixão por si mesmo. A paixão política é uma forma de narcisismo irredutível.
É por causa desta irredutibilidade narcísica, por causa do medo da dissolução da identidade pessoal, que pessoas afáveis e inteligentes resistem, por vezes de forma violenta, a qualquer evidência empírica que mostre que o seu lado está errado. O uso da razão crítica é sempre feito contra o outro lado, nunca, de forma séria, se avalia critica e de forma independente os pressupostos políticos do lado a que pertencemos. Na verdade, por mais que se disfarce e se queira parecer racional, a identidade política está assente em puros dogmas, princípios que não estão nem podem estar justificados racionalmente. Por fim, o narcisismo e o dogmatismo conduzem ao autismo, à impotência para escutar as razões do outro, para fazer um exame sério às nossas razões e às razões dos que pensam politicamente de forma diferente. As pessoas falam para si mesmas, reforçam as suas crenças, e utilizam esses processos de reforço das suas crenças como pedras com que lapidam os adversários.
Há nas paixões políticas uma pulsão selvagem que, apesar de moderada pela lei e pela vida civilizada, quer a aniquilação do outro, pois a existência desse outro, com as suas ideias e opções, é uma ameaça para mim, pois aquelas põem em causa o conjunto de crenças que constituem a base da minha identidade pessoal. É por isso que a vida política, a qual deveria tratar do bem comum, não pode deixar de ser um lugar patológico, um lugar onde diferentes patologias se confrontam e limitam. A vida política seria um lugar saudável se os homens tivessem a capacidade de se colocar radicalmente no lugar do outro, de perceber as suas razões e soubessem que o outro faria o mesmo. Como a vida não é assim, o importante é que as diversas patologias se enfrentem e se limitem umas às outras. É essa limitação que evita a tragédia e torna a vida em sociedade mais suportável.
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