A democracia, enquanto regime político, nunca gerou grandes paixões em
Portugal. Pressente-se, por norma, uma certa condescendência perante a sua
existência, como se ela não fosse um regime político sério e a sério. O estudo "AQualidade da Democracia em Portugal: a Perspectiva dos Cidadãos"
revela que apenas 56% dos portugueses acreditam que que ela é o melhor sistema
político. O estudo chama a atenção para duas vertentes que deverão ser pensadas
conjuntamente. Por um lado, o apelo autoritário; por outro, o problema da
justiça social ancorado na redistribuição da riqueza produzida. Segundo um dos
autores do estudo, António Costa Pinto, "existe uma eminente contradição
entre o que a democracia aponta como questão fundamental, que são as eleições
livres, e o que as pessoas pensam que é que a democracia, ou seja, que ela
assenta na redistribuição da riqueza, no emprego e no combate à exclusão
social".
Ora
é preciso compreender historicamente o problema. Portugal não só tem uma longa
história de regimes autoritários, como a derrota, com 25 de Abril de 1974, da
ditadura e a instauração de uma democracia representativa esteve ligada ao redesenhar
do pacto social com a promessa de uma redistribuição menos desigual dos
rendimentos. De certa forma, a narrativa geral (à esquerda e à direita) foi que
a democracia promovia, contrariamente à experiência dos autoritarismos, uma
redistribuição mais equilibrada e equitativa. Os partidos políticos tentaram
assim comprar – num país
essencialmente pobre – os cidadãos para o regime. Não foi o amor à liberdade
que mobilizou as pessoas para a democracia, foi o sonho de uma vida um pouco
mais decente, foi o querer fazer parte integrante desse pacto e ser reconhecido
como um igual. Quando esse sonho se desmorona, quando a desigualdade crescente parece
ser o único produto social do regime democrático, é natural que o ancestral
desamor à liberdade cresça, prenunciando o momento em que uma larga fatia da
população esperará pela vinda de um salvador.
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