O último poema da Mensagem,
de Fernando Pessoa, tem por título “Nevoeiro”. Faz parte de uma série de cinco
poemas sob a denominação de “Os Tempos”. Mas esse último poema termina com o
singular verso «É a Hora!». Esta Hora,
todavia, não remete para o tempo cronológico, aquele que se pode contar e
organizar segundo um qualquer calendário. É um tempo qualitativo. Os gregos
utilizavam duas palavras para tempo. Cronos e kairos. Por cronos designavam o tempo sequencial, alinhado do passado
em direcção ao futuro, pela mediação do presente. Por kairos referiam o momento oportuno, o momento especial do acontecer.
Para o cristianismo, kairos é o tempo
da acção divina. Seja na perspectiva grega seja na cristã, o kairos representa sempre uma ruptura no
tempo cronológico, uma espécie de abertura onde algo se inscreve. A Hora pessoana aproxima-se do kairos grego. Significa que algo está
preparado e pode consumar-se, porque esse é o seu momento. Há, no entanto, algo
mais nesta Hora. O verso surge como
uma injunção: «É a Hora!». Na Hora
estão presentes três coisas: o tempo cronológico, a abertura de um momento que
suspende o normal transcurso e do mundo (o kairos),
e a iniciativa que o verso exige. Na Hora
pessoana inscreve-se uma dialéctica entre kairos e iniciativa. O kairos
não é apenas uma coisa que surge e que exige de nós mera atenção. O kairos, a Hora, exige a iniciativa de a preparar, de fazer amadurecer o
mundo, para que o fruto caia. Desse ponto de vista, o kairos não é apenas o tempo da acção de Deus ou uma mera
oportunidade oferecida pelo destino, mas também aquilo que a iniciativa do
homem preparou. Não é apenas um acontecimento, mas aquilo que resulta de uma
sabedoria que faz acontecer.
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