A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Esta história das reformas do Presidente não chegarem para as despesas
está a levantar um coro de indignação por todo o lado, com grande visibilidade
na Internet. Corre um espúrio abaixo assinado a pedir a sua demissão e Cavaco
já foi vaiado. Qualquer coisa se degradou, pela primeira vez, na relação de um
Presidente da República com o povo português. É evidente que as palavras de
Cavaco são insensatas e, no fundo, não passam de uma nova forma de mastigar
bolo-rei de boca aberta. Tudo isto, mastigação de bolo-rei e exiguidade das
reformas, motiva graçolas à esquerda, que nunca o suportou, e calafrios à
direita, que nunca se perdoou por se ter posto nas mãos do guarda-livros do
reino.
Desabafos insensatos e mastigações indelicadas são o menos. O
principal problema de Cavaco é o facto de ele ter exercido cargos de
responsabilidade política durante dezassete anos. Foi ministro das Finanças e
do Plano durante um ano, Primeiro-ministro durante dez, e é Presidente da
República há seis. Se há alguém que tem responsabilidades no regime é Cavaco
Silva. Foi ele que o formatou, na pós adesão à CEE, enquanto Primeiro-ministro
e que traçou as linhas gerais pelas quais os outros seguiram. Foi ele que
sempre fez política negando ser político, foi ele que sempre usou e abusou da
demagogia para alcançar os seus fins políticos, foi ele que sempre submeteu aos
interesses das suas vitórias eleitorais os interesses do país. O mal de Cavaco
não está no desabafo sobre as suas reformas nem no episódio do bolo-rei, está
na sua conduta política.
O drama de Portugal reside todo aqui, reside no facto de, apesar de
tudo, Cavaco Silva ser ainda o último representante de um módico de
racionalidade no sistema político. Governados por um governo de orientação
extremista, com a oposição moderada manietada pelo acordo com a troika, com a oposição menos moderada
sem verdadeiro peso político e com uma intervenção cívica muito débil, Cavaco
Silva é o único player com peso que
ainda pode moderar, levemente que seja, os apetites vorazes das elites
económicas e a submissão dos radicais do governo aos interesses dessas elites.
Será assim racional que aqueles que pretendem fazer frente à
destruição dos equilíbrios sociais ainda existentes moderem as críticas a
Cavaco. A insensatez das suas palavras sobre as reformas não deve ocultar a
verdadeira floresta e os perigos que ela contém. Apesar de tudo, Cavaco Silva
não é o mal radical. Este está noutro lado e é para aí que se devem orientar as
baterias.
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