Nos finais dos anos oitenta dei aulas numa conhecida cidade
alentejana. Apesar da revolução ter ocorrido há década e meia, apesar da forte
influência do Partido Comunista, as relações sociais pareciam solidificadas no
tempo. Durante o ano que aí leccionei, frequentei um célebre e tradicional café
local. O quadro que me era oferecido fazia lembrar as descrições da literatura
neo-realista. Tinha saído de Torres Novas – apesar da sua pequenez e falta de
massa crítica, vivia relativamente adequada à sua época – e aterrara quatro
décadas atrás. A vida social que me era dada a observar seria a normal nos anos
quarenta e cinquenta do século XX.
Aquilo a que estamos a assistir neste momento em Portugal,
nomeadamente nas relações laborais, na estratégia de exploração de uma mão-de-obra
cada vez mais barata mostra duas coisas essenciais. Em primeiro lugar, torna
evidente que toda a estratégia de adesão de Portugal à União Europeia foi
sofrivelmente pensada, mal executada e pessimamente dirigida. Não se olhou nem
para a nossa realidade social e económica nem para aquilo que somos
efectivamente enquanto povo. E essa política conduziu ao sítio onde estamos. Formalmente
as coisas pareciam funcionar (por isso os políticos eram reeleitos), mas as
opções erradas acabaram agora por se tornar óbvias. Os políticos portugueses
foram muito bons em produzir e vender ilusões, mas perfeitamente incompetentes
em lidar com a realidade.
Em segundo lugar, quando o descalabro de 25 anos de políticas erradas
se torna evidente, o único modelo que a elite governativa possui na cabeça é o
retorno a relações sociais que preenchem um certo imaginário perdido. Aquele
que os dirigentes actuais tinham ouvido a pais e avós, os bons tempos de
mão-de-obra barata, da criadagem em casa, da grande diferença entre grupos
sociais, que permitia a uns recrutar, muitas vezes a troco de comida e dormida,
pessoas para os seus serviços, dos velhos tempos de um paternalismo caridoso. Um
retorno aos anos quarente e cinquenta do século passado.
Apesar do neo-realismo ter sido uma corrente estética marxista, a
nossa direita nunca deixou de ser neo-realista, de sonhar com aquele mundo de
senhores e de servos que alimenta a literatura e o cinema neo-realistas. Com o
governo de Passos Coelho, retornamos, no âmbito da estética política, ao
neo-realismo. Mas o primeiro-ministro deveria recordar as palavras de Marx. A
história repete-se, uma vez ocorre como tragédia, a outra como farsa. Estamos
no tempo da farsa.
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