Rafael Sanzio de Urbino - A Poesia (1508-11)
Recuperação de textos do meu antigo blogue averomundo, retirado de circulação. Este texto pertence a uma série
denominada cadernos do esquecimento. Texto
de 28.01.2010.
Há dias em que não temos nada para dizer. Esses, porém, não são os
piores. Há outros dias que descobrimos que deveríamos estar calados. Talvez
calar-me seja o maior exercício de respeito por mim e pelos outros. Seria, no
mínimo, um exemplo. Tanto ruído. Mas esses dias ainda não são os piores de
todos. Para mim, hoje, é um dos piores dias. Estive a ler Herberto Helder
e, sempre que leio Herberto Helder, é um dia mau. Aquela poesia é tão
boa, tão perfeita, tão exacta, que parece tudo ter ficado escrito para a
eternidade. A poesia de Herberto Helder é perversa, esmaga-nos com o
prazer que dá, esmaga-nos com a sua exactidão lexical. Na poesia de Herberto Helder,
a gramatica é terrível, pois não admite excepções, mesmo que um
miserável substantivo seja um advérbio. Ler Herberto Helder é um exercício
feroz de humilhação. Não, não nos purifica, não nos lava a alma. Pelo
contrário, aquela poesia rouba-nos a alma. Quando lemos Herberto Helder
ficamos desalmados. Aquele bocadinho de alma que ainda tínhamos é desbaratado,
queimado, nem o diabo a quer. Herberto Helder é um inimigo do diabo,
pois desfaz as almas que o maligno queria acumular para o fogo eterno. Quando
lemos Herberto Helder, e na humilhação de o lermos, ainda queremos
ler mais e mais e sem parar. Há poetas, daqueles poetas verdadeiros,
que se proíbem de ler Herberto Helder. Eu leio-o, pois eu não
sou um poeta dos verdadeiros nem dos falsos. Mas esses dias de leitura são
penitências sem fim. Quando leio "As crianças enlouquecem em coisas de
poesia", eu sou essa criança a enlouquecer. Enlouquecer, nestes dias, é
uma forma de penitência. O penitente tira sofrimento do prazer. O leitor de Herberto Helder
não passa de um penitente, de um penitente que quer estar calado e não
consegue.
(...)um grão de sal aberto na boca do bom leitor impuro.
ResponderEliminarHH
(vou na segunda leitura e ainda me falta tanto para acabar...)
Abraço
Também estou a ler. Agora estou numa fase de abrir o livro ao acaso e leio o poema. Depois, voltarei a fazer o périplo desenhado por HH.
EliminarAbraço