O atentado de Nice e a tentativa frustrada de um golpe militar na
Turquia são duas faces de um mesmo problema. Esse problema é o da relação do
mundo islâmico com a Modernidade e o Iluminismo. O pesadelo de Nice inscreve-se
na já vasta lista de atentados com que o islamismo radical tenta assustar, em
todo o mundo e não apenas no Ocidente, as populações, como forma de impor, pelo medo, a sua visão do mundo. Quanto à tentativa de
golpe na Turquia, ainda é bastante obscura a sua origem. Duas teses parecem em
confronto. Por um lado, uma operação militar ligada aos valores da Turquia
moderna trazidos por Mustafa Kemal Atatürk, marcados pela a abertura ao
Iluminismo e ao carácter secular do Estado. A segunda tese, proveniente do núcleo
central do poder turco, acusa o imã Fethullah Gülen e o seu movimento Hizmet,
um movimento conservador e antigo aliado de Erdogan, de estarem na origem do golpe.
Seja qual for a realidade, o problema gira sempre em torno da relação entre a
Turquia e os valores provenientes da modernidade e do Iluminismo.
A Modernidade e o Iluminismo – com a sua visão laica do Estado, o
respeito pelas liberdades individuais, a igualdade entre homens e mulheres – são
criações ocidentais. São elas que, de uma forma ou outra, têm moldado o mundo,
tendo sido adoptadas – em maior ou menor extensão – pela generalidade dos
países, os quais têm vindo a substituir as formas de poder tradicionais por
formas de poder modernas. O lugar de grande resistência aos valores modernos e
iluministas está nas sociedades islâmicas. A excepção foi precisamente a
República da Turquia de Atatürk, mas que, paulatinamente, tem vindo a afastar-se
desses valores. Todo este terrível espectáculo de dor e sofrimento que o
terrorismo islâmico espalha pelo mundo e a convulsão militar na Turquia estão
ligados à recusa destes valores. E no centro desta recusa encontra-se o
problema religioso. Com a Modernidade e o Iluminismo, a religião torna-se um
problema de consciência dos indivíduos (Locke na sua Carta sobre a Tolerância, ainda
no século XVII, explica-o de forma muito clara). A distinção entre governo
civil e religião torna-se central. É isto que, com as suas consequências
sociais e éticas, é recusado por grande parte do mundo muçulmano. Podemos
encontrar as explicações que os nossos preconceitos quiserem, mas a questão
central encontra-se aqui e, diga-se, não é de fácil resolução. Veja-se o
exemplo das chamadas Primaveras Árabes.
Há problemas que podem não ter solução. Este pode ser um deles.
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