Eugène Carrière - Jovens Mães (1906)
Lívidas
figuras na escuridão se desenham, lívidas figuras como mães perdidas na névoa
de Novembro, lívidas figuras de tudo se acercam, como regato de outro regato,
ou os dias aos dias se prendem. Neles – esses dias de tão grande lividez – escrevo
sobre a brancura exausta da areia, sobre os mil grãos que, como planetas
desmemoriados, povoam as praias de onde as estrelas, tão brilhantes na sua
cintilação, partem vagarosamente para o palácio negro dos meus versos. Depois,
olho o mar e vejo virem ondas, e as palavras soçobram na água, as sílabas a
desfazer-se com gemidos inefáveis e um odor a naftalina, a casas antigas e
pobres, tomadas pelo pavor da memória. Sobejam letras órfãs e lágrimas correm e
tumultuam a face, ganem na floresta, se para o tormento da luz os segredos,
lívidas figuras, expulsam.
Assim
como vos levei sobre os pássaros da tarde, e vos trouxe a mim, descerei no
dorso de um animal e ao caminhar derrubarei flores, jardins de pedras, palavras
de ócio, poemas, espelhos despolidos, rasgados em cada verso que a outro se
segue. Ah esses poemas tão sem préstimo, tão desfasados da língua, tão incapazes
de um sinal, de um rosa, de uma mão aberta sobre o coração. Não cantam, esses
poemas. Não indicam e quando falam, ainda a nuvem fica por dizer, mesmo se
iluminada, mesmo se crua. Um gesto, o esgar da garganta, o débil sopro da voz e
não mais do que pó o poema é. Uma figura lívida fulgura na noite, tão lívida na
noite estrelada, versos que se prendem noutros versos e soçobram na areia
batidas pelo vigor das ondas, pelo vento marítimo, para a dor que deles se
desprende e inclina o coração para a eternidade.
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