domingo, 17 de julho de 2016

Nice, duas lições

Francisco de Goya - Casa de Locos (1812-14)

Voltemos ao atentado de Nice e a duas lições que ele traz consigo. Consta que o autor do atentado, o franco-tunisino Lahouaie-Bouhlel, era um pessoa desequilibrada e que se terá radicalizado de forma muito rápida (leia-se: os serviços secretos não deram por isso). A ideia de que o atentado foi um acto de loucura tem em si mesma um perigo: transforma um acto político num mero acto psicológico de foro privado. Isso poderia ser reconfortante para quem teima em não perceber o que está em jogo. A questão é, todavia, muito pouco de reconfortante. Sabemos agora que qualquer desequilíbrio emocional pode encontrar a sua solução na prestação de um serviço político ao radicalismo islâmico. As organizações radicais islâmicas, por muito que custe a admiti-lo, não são um bando de loucos. São dirigidas por agentes racionais, que têm objectivos políticos (que desconhecemos) e que os perseguem, procurando atingi-los com o máximo de eficácia. A utilização do desequilíbrio existencial de muçulmanos a viver na Europa faz parte dessa mesma eficácia. O perigo não vem apenas daqueles que se radicalizam através da pregação de clérigos radicais ou da propaganda jihadista. O perigo vem de qualquer um que, por motivos sociais ou psicológicos, se desacertou da vida. O campo de recrutamento parece não ter limites. Primeira lição.

Uma das coisas que foi salientado neste atentado é que ele ocorreu numa cidade secundária, não numa das grandes cidades francesas. É verdade que o atentado é escolhido para um dia muito especial para os franceses, mas se ficarmos pela dimensão simbólica do acontecimento deixamos de ver a informação que ele contém. Ele mostra-nos que qualquer sítio, por insignificante que seja, pode ser um alvo e um alvo espectacular. A espectacularidade destas acções não se deve ao lugar onde ocorrem, nem ao número de mortos nem à forma como são executadas. A espectacularidade deve-se a que elas são transformadas, pelos órgãos de comunicação social, num espectáculo universal. A transmissão de imagens dos atentados e da dor que eles provocam é um dos efeitos que o radicalismo islâmico pretende, tirando assim partido da liberdade de informação. É esta liberdade de tudo mostrar que tem a virtualidade de tornar qualquer local na Europa ocidental um alvo potencial e incontrolável. Segunda lição.

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