Caspar David Friedrich - Hill and Ploughed Field near Dresden (1824)
Já
não há quem se multiplique, feneceu a aritmética e os cálculos foram à sombra
abandonados. Um esquecimento tão esquecido cresceu obsessivo e obsessivo se
ergueu, pegou em suas mãos vazias e com elas desenhou um milhafre ferido,
transido na dor, fechado no grito a que o voo o impelia. As pústulas eram tão
perfeitas no arco pelo peito desenhado. Se o pássaro respirava, a própria perfeição
o impelia, enquanto o caminho decrescia e a dor era um mar a lavrar sob a pele
tumefacta, dos pulmões o movimento escondia. E tu, preso na tua solidão, és
esse milhafre levado pelo vulcão da dor, és o pássaro esquecido que habita o
som das palavras e as faz chegar a longínquos ouvidos, tão incautos que ouvem o
rumor das tuas palavras no murmúrio das asas da grande ave infância quando,
exausta, se inclina na verdura acobreada do Outono.
Agora
que chegaste aqui, a este lugar sem nome, sob esta luz tão baça, queima os
livros, a parca juventude os deu, acende com eles uma fogueira; e aqueça ela, no
Inverno, o frio pensar. Deixa arder, em feroz combustão, conceitos, a tudo
recolhem, juízos, uma ordem vesperal trazem, raciocínios, aí encorpa a cega
loucura. Vem, ó pássaro ferido pelo fulgor das campinas, falar não a tigres,
mas a homens sentados nas espessas esplanadas da cidade. Desenha-lhes um carro
cego e, com inquieto dedo, mostra-lhes o caminho onde gritem de pavor, tocados
pela mansidão debruada pelo cântico dos limoeiros. Ó exaustas sentenças,
cansadas equações, leves chagas cobertas pelo pó das gramáticas: cantem a raiva
rosada pela álgebra, o rasto eterno no fogo das colinas, verdes de tanto
Outono.
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