quinta-feira, 21 de julho de 2016

Livro do Êxodo 18. As verdes colinas do Outono

Caspar David Friedrich - Hill and Ploughed Field near Dresden (1824)

Já não há quem se multiplique, feneceu a aritmética e os cálculos foram à sombra abandonados. Um esquecimento tão esquecido cresceu obsessivo e obsessivo se ergueu, pegou em suas mãos vazias e com elas desenhou um milhafre ferido, transido na dor, fechado no grito a que o voo o impelia. As pústulas eram tão perfeitas no arco pelo peito desenhado. Se o pássaro respirava, a própria perfeição o impelia, enquanto o caminho decrescia e a dor era um mar a lavrar sob a pele tumefacta, dos pulmões o movimento escondia. E tu, preso na tua solidão, és esse milhafre levado pelo vulcão da dor, és o pássaro esquecido que habita o som das palavras e as faz chegar a longínquos ouvidos, tão incautos que ouvem o rumor das tuas palavras no murmúrio das asas da grande ave infância quando, exausta, se inclina na verdura acobreada do Outono.

Agora que chegaste aqui, a este lugar sem nome, sob esta luz tão baça, queima os livros, a parca juventude os deu, acende com eles uma fogueira; e aqueça ela, no Inverno, o frio pensar. Deixa arder, em feroz combustão, conceitos, a tudo recolhem, juízos, uma ordem vesperal trazem, raciocínios, aí encorpa a cega loucura. Vem, ó pássaro ferido pelo fulgor das campinas, falar não a tigres, mas a homens sentados nas espessas esplanadas da cidade. Desenha-lhes um carro cego e, com inquieto dedo, mostra-lhes o caminho onde gritem de pavor, tocados pela mansidão debruada pelo cântico dos limoeiros. Ó exaustas sentenças, cansadas equações, leves chagas cobertas pelo pó das gramáticas: cantem a raiva rosada pela álgebra, o rasto eterno no fogo das colinas, verdes de tanto Outono.

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