Emil Nolde - Group of People
Não havia
túmulos, cálidos e caiados de luz, nos brancos cemitérios, que às águas acolhiam,
as que velozes vinham do extremo norte e caíam sobre a terra dos mortos, como
se eles ainda fossem vivos e de água assim precisassem, com uma urgência que só
a morte explica. Se era uma época de flores, os vivos partiam pelo seu pé,
viajantes tão frios no olhar, dúbias figuras iluminadas pelas trevas, as que
cobrem de vestígios os campos, da terra levam ao mar. Iam no esquecimento dos
que tinham morrido, no olvido da própria memória, agora um campo esventrado por
batalhas sem préstimo ou glória. Iam – que outra coisa haveriam de fazer? – presos
à lepra da vida, às pústulas que cobriam faces, aos olhares transviados pelos
corpos secos e amargos.
Na devastação da
tristeza, abria-se uma arena de folhas onde os que caminham foram e colheram
rosas amarelas, da volúpia vinham, e sob o impulso do vento inundaram o curso
dos jardins sobre a esfera terrestre. Nas terras geladas, cobriam-se os dias com
um manto de cinza e no céu o chumbo derretia-se pelo fogo glacial, a tua pena o
desenhava. Nessa inconstância, as mulheres deixavam as madeixas cobrir a
fronte, sombrear os olhos, infestar os prados do coração. Um negrume vinha
então do fundo do corpo e todos se calavam, enquanto os pés tocavam o chão e
num gesto premeditado faziam avançar, como se libertação fosse, cada um para a
rosácea rumorejante, a fonte do destino, diziam em alvoroço.
Quando
suspenderam a mão, no meio caminho que do corpo à raiz conduz, um clarão riscou,
como um machado, a linha pura do horizonte. As aves juntaram-se em bandos, colónias
nos fios da terra erguidos, olharam os céus e de bico cerrado voaram para o
vazio, à sua frente um deus, precário e belo, o estendera. Já ninguém sabia ler
o voo dos pássaros e na escuridão da sabedoria viram-nos partir. Se havia
silêncio, o choro das crianças o quebrou e dessa tarde resta na poeira uma
recordação de frutos maduros, abandonados na orla de espuma, o mar na praia a
esboça. Depois, tomaram outra rota e abriram um caminho por entre densos matagais,
infestados de insectos, contaminados pela saudade. Um murmúrio desprendia-se
das suas bocas, até que a noite o apagou.
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