Cândido Portinari - Futebol (1935)
A minha crónica mensal no jornal A Barca.
Escrevo a seguir ao glorioso
empate entre a selecção portuguesa e a selecção húngara. Não sei, por falta de
dotes proféticos, quando a edição de A
Barca chegar aos leitores, qual o destino dos portugueses no europeu de
futebol. Seja o que for, quero louvar a virtude dos empatas. Portanto, não vou
meditar sobre a glória de atirar microfones para os lagos e a correlação desses
actos com a liberdade de imprensa ou a virtude moral dos atiradores de
microfones. Quero mesmo falar dos empatas. Empatar não é uma coisa assim tão deprimente.
Quem empata não ganha mas também não perde.
Recordo um episódio do distante ano de 1982. O Borges, um restaurante e café mesmo por baixo da casa do dr. Mário
Soares, estava cheio de estudantes, gente das várias faculdades da cidade
universitária, em Lisboa. Entre imperiais e tremoços, o pessoal assistia a um
Brasil – Itália para o campeonato do mundo disputado, salvo erro, em Espanha.
Como era habitual e na ausência de Portugal, quase toda a gente torcia pelo Brasil.
Então as raparigas, talvez pela influência da música brasileira, eram
fanáticas. Eu, que nunca fui pró-Brasil, e outro colega de filosofia (éramos só
dois pró-Itália ou anti-Brasil) tivemos o grato prazer de ver Paolo Rossi
marcar três golos e mandar a super selecção brasileira para casa.
O que tem isso a ver com os empatas, se os italianos ganharam ao
Brasil? Tem e muito. Antes de falar nisso, recordo ainda outro episódio. Um dos
mais reputados jornalistas desportivos da altura, antes do campeonato do mundo,
prognosticou na RTP um destino negríssimo para a selecção italiana. A fase de
grupos quase confirmava a profecia. A Itália calhara num grupo fácil com a
Polónia, o Peru e os Camarões. Apurou-se para a segunda fase com três empates e
muita, muita sorte. Uns empatas, dir-se-ia. Conclusão da história. A Itália não
só despachou o Brasil e a Argentina, como foi campeã do mundo ao ganhar, na
final, à Alemanha. Não digamos mal, mesmo que sejamos eliminados, dos nossos
empatas do futebol, nós que somos, na verdade e na generalidade dos casos, um
povo de empatas. Como se viu em 1982, dos empatas também reza a História.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.