A minha crónica no Jornal Torrejano.
O público é um deus vindicativo e injusto. Carlos de Oliveira, uma das
grandes figuras da literatura portuguesa da segunda metade do século XX, morreu
em 1981. Paulatinamente, a sua obra começou a entrar num tempo crepuscular, apagando-se
da memória cultural do país, do desejo dos leitores e das estratégias do
mercado livreiro. A percepção que tenho – pode estar errada – é que já ninguém,
com a excepção de um ou outro especialista, lê Carlos de Oliveira. E isso não é
apenas imerecido pelo autor como é uma perda para a cultura portuguesa. É claro
que o mundo social sobre o qual escreveu foi tragado pela voragem do tempo e pela
radical alteração do modo de viver dos portugueses, tão paroquial na sua época.
Isso, porém, não explica a amnésia colectiva.
Também é verdade que Carlos de Oliveira foi um neo-realista –
porventura, o mais brilhante – e o neo-realismo tornou-se anátema nos meios
culturais. Contudo, o romancista e poeta gandarês nunca foi um neo-realista
panfletário. Pelo contrário, toda a sua obra é de uma extrema exigência
estética, onde as personagens são mais do que simples invólucros de
estereótipos sociais. São gente real, com as contradições que habitam em todos
os seres humanos. A sua obra romanesca distribui-se por cerca de dez anos. De Casa na Duna, 1943, a Uma Abelha na Chuva, 1953, passando por Alcateia, 1944, e Pequeno Burgueses, 1948. Exceptua-se o último romance, Finisterra – Paisagem e Povoamento, de
1978.
Este último é uma das obras da literatura portuguesa que mais exige do
leitor, pois o trabalho sobre a língua portuguesa é levado a um grau de
perfeição invulgar. É um romance onde a descrição tem um papel fulcral, o que,
por certo, assusta um público impaciente e superficial. Não foi apenas ao nível
do romance que Carlos de Oliveira foi um escritor exigente com o trabalho sobre
a linguagem. A sua poesia tem a mesma marca. Há nela, o que sempre lhe foi
reconhecido, um trabalho artesanal de grande depuração, como se ele procurasse,
em cada poema, encontrar a essência da linguagem, encontrar a palavra poética
que antecede todas as palavras gastas e sem aura que usamos no quotidiano. Uma
grande poesia, num século onde houve em Portugal poetas extraordinários. Carlos
de Oliveira um autor a ler e a reler.
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