Gerhard Richter - A.B., Kapelle (1995)
Naquele lugar, em dias de invernia rigorosa, o primeiro cartão de
visita é a rua coberta de neve. Branca e ainda pura, vela o alcatrão e as
grandes lajes de cimento engravilhado que compõem o passeio. Aqui e ali, a brancura
não é suficiente para as ocultar, podem-se observar as manchas do chão, algumas
negras e outras acastanhadas, que o Inverno não conseguiu, com o rigor das
temperaturas e a limpidez das águas, lavar. Erguem-se três moradias,
relativamente grandes, com os seus jardinzinhos pequeno-burgueses. Jardins que,
mais que um gosto pela natureza ou um sentimento estético, anunciam a
contradição do nosso tempo, pois são, como as casas que decoram, ao mesmo tempo
o fruto do igualitarismo social reinante e a marca do desejo irreprimível da
diferenciação, um pequeno e frívolo exercício para ostentar um toque distinto,
dentro de uma comunidade em que a força do direito tornou todos em iguais. As
paliçadas, que separam esses jardins privados e o passeio público, bem como as
cancelas, que nos recordam, mais que as próprias paliçadas, a diferença entre os
dois espaços e a remota possibilidade de a maioria das pessoas passar para o
lado de dentro, suportam montículos de neve, em equilíbrio precário, como se
assim anunciassem a fragilidade de tudo o que se vê. Também os telhados, de
dupla água e telha negra, estão pintados de branco, embora, aqui e ali, se
abram manchas escuras, a denunciar o deslizar das neves. Seria uma rua sem
mistério, não fora o caso de ser pontuada por plátanos vigorosos, despidos de folhas,
com a ramagem, de aparência acusativa, a apontar os dedos hirtos para os céus. Esta
tonalidade crispada impregna o homem que, perto da moradia vermelha, está
parado, quase em sentido, olhando para cima. Enquanto espera por alguém ou por
alguma coisa, funde-se nos ramos dos plátanos e aponta, com o nariz afilado
preso a um rosto avermelhado pelo frio, para o céu, como se maldissesse as
deliberações dos deuses ou o arbítrio da natureza.
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