August Macke - Despedida (1914)
Teciam com mãos de ardósia
capas de linho e enfeitavam de pedra as ruas, agora avenidas rasgadas na terra
dorida e dolorosa, e se ali passavam viajantes, apressados na sua viagem e
desdenhosos de quem fica, elas volviam os olhos para o chão, erguiam os dedos
ao alto, assim o diziam, e sussurravam, emboscadas, à espera que os estranhos
passassem, sustendo o vento com os braços, os olhos cobertos com folhas de
jornal, capas de revista, anúncios em papel brilhante. Se chovia, instável era
o tempo, corriam para debaixo das arcadas, se o sol vinha, as pobres raparigas retiravam
o véu, a cabeça destapada e o rosto descoberto eram uma luz brilhante na tarde,
enfeitada de malmequeres e rosas silenciosas, ornada de promessas, as vagas
promessas que ninguém cumprirá.
Delicada azáfama a de abrir,
com mãos de ardósia, corações e ver o pulsar do sangue, rubras paredes
contaminadas pela ira, rasgadas na cal que as tapava, vestidos leves onde as
pernas brancas se escondiam, para se abrirem ao desejo que de não vê-las tomava
forma, crescia, rebentava diques, desaguando em gritos, enquanto os carros
passavam, a lançar chistes de dióxido e urros luminosos, a desabar nos semáforos,
a tarde regulavam. Árduo o trabalho do amor, a cirurgia que desvela o que se
oculta nas paredes do corpo, na fímbria onde pés incautos deixam pegadas
rutilantes que anunciam desejos, que proclamam um querer irrevogável, o tempo o
revogará.
As cortinas do pátio, e suas
colunas, e suas bases, e a coberta da porta do pátio, a tudo isso desprezastes quando
a mão, a pálida mão que era a minha, caiu para a vossa e levantastes voo,
erguendo-vos aos céus, as saias prendiam com as mãos exíguas, não fora eu
espreitar-vos pernas acima, e compor um soneto de versos exíguos, ritmo
cambado, sem métrica nem rima, que de mim vos fizesse gostar, como as crianças
gostam de rebuçados, ou os velhos, gengivas gastas e dentes caídos, de amoras. Para
quê desenhar catedrais, jardins, rudes avenidas por onde o vento desliza, tocar-vos
os seios, apertar-vos a garganta com o pólen do sentimento? Para quê lançar o
bisturi sobre a artéria do amor e ver um rio de sangue tresmalhado entre
pernas? Para quê tecer com mãos de ardósia capas de linho?
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