Salvador Dali - Rostro de la guerra (1940-41)
O reaccionário Joseph de Maistre, esse inimigo jurado da
revolução francesa e do Iluminismo, talvez seja o pensador que, nos dias conturbados
de hoje, mereça ser lido e meditado com mais atenção. Não apenas pelo seu
pendor autoritário, mas pelas suas considerações sobre a guerra. Há uma célebre
citação do conde saboiano que tem escandalizado muita gente, mas que deve ser
pensada. Diz Maistre: A guerra é, em si
mesma, divina, pois é uma lei do mundo.
O problema não é se nós gostamos ou não da guerra. O próprio Joseph de
Maistre achava-a um horror e uma derrota da razão e da civilização. O problema
é se a nossa pobre espécie tem em si o poder de construir uma paz perpétua ou se a guerra é mesmo
uma lei metafísica inexorável a que estamos submetidos. Se olharmos para o
actual panorama geopolítico temos todas as razões para temer que Joseph de
Maistre tenha razão.
E a possível razão de Maistre não advém só do flagelo que o
fundamentalismo islâmico espalha pelo mundo. É nas próprias nações marcadas
pelo Iluminismo – isto é, as nações ocidentais – que parecem emergir as ervas
daninhas que antecedem os tempos de confrontação militar e os grandes rituais
sacrificiais da guerra. A intolerância religiosa, política e moral que se
espalha pelo mundo ocidental é um dos sintomas.
O pior sintoma, porém, é a aceitação em parte cada vez mais exuberante da intelligentsia e da própria população a normalidade da eleição de
Trump, da vitória de Farage e do Brexit, do crescimento dos fenómenos ditos
populistas pela Europa fora. Por detrás destes fenómenos pulsa visivelmente, para
quem não for distraído, um desejo enorme de confrontação e de esmagamento de
tudo o que os contraria.
Não são tanto as personagens políticas que são problemáticas – apesar de
o serem – mas aquilo que as constitui em personagens políticas com peso. O
rancor de enormes máximas sociais é apenas a face visível da pulsão de morte e
de um desejo insaciável de fazer correr o sangue pela terra que a espécie
humana traz consigo. É aqui que a leitura e a meditação do velho inimigo da
contra-revolução faz todo o sentido. Ele torna claro um limite do Iluminismo e
da própria razão. Mostra-nos para onde caminhamos, plenamente inconscientes, cada vez mais depressa.
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