Domenico Beccafumi - L'amor di Patria (1832-35)
Voltemos à eleição de Donald Trump. Se o futuro presidente dos EUA
mantiver o programa que a retórica eleitoral deixou transparecer, então tanto a
esquerda como a direita europeias – abstenho-me aqui da situação americana –
estão confrontadas com dilemas que estão longe de as deixar confortáveis.
Veja-se a esquerda. É verdade que o programa de Trump ligado às questões dos
costumes, da imigração e do clima contrariam as bandeiras dessa esquerda, mas
há toda uma outra dimensão programática, desde o papel das obras públicas até
ao fim dos acordos internacionais de comércio, que essa esquerda advoga desde
há muito. Não foi por acaso que Bernie Sanders, o ídolo americano da esquerda
europeia, veio dizer que nesses aspectos está disponível para cooperar com
Donald Trump. Na verdade, a esquerda não sabe muito bem o que fazer perante
este dilema. Julgo que muita gente na esquerda (e não me estou a referir ao
eleitor comum), embora não o diga por pudor e cálculo, prefira Trump a Clinton.
A direita europeia – e talvez ainda mais a portuguesa por razões
idiossincráticas – não está numa situação melhor que a da esquerda. Trump é
claramente alguém que pertence à família das direitas. No entanto, estas há
muito que navegam nas águas da globalização e do liberalismo mais estrito. Essa
orientação está agora ameaçada e a ameaça vem de onde menos se esperava. A direita vai começar a sofrer o confronto com duas pulsões que vivem
nela. Por um lado, a pulsão liberal, a da abertura dos mercados, da liquidação
de quaisquer direitos laborais e do próprio Estado social, pulsão que, em
alguns aspectos, a afasta de Trump. Por outro, a velha pulsão autoritária, que
tão bem casa com a tonalidade política de Trump, vem acender nela uma certa
nostalgia pelas suas velhas raízes. Muita gente teme a senhora Le Pen e direita
radical europeia. Talvez isso seja um equívoco. Talvez a própria direita
europeia tradicional se converta a uma visão mais autoritária e nacionalista.
Em Portugal, a vitória de Trump liquidou Passos Coelho, o arauto paroquial, por cálculo político, do neoliberalismo
e do ordoliberalismo. O próximo líder do PSD será mais sisudo, mais adepto da
autoridade, menos liberal e mais nacionalista.
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