quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Da democracia como terapêutica

Julio Gómez Biedma - Democracia. Siempre hay un ojo que lo ve

Agora que muito se fala no espectro de uma recessão democrática, não será inútil olhar para as virtudes do regime democrático. São múltiplos os aspectos que recomendam a democracia em detrimento de qualquer outra forma de governo. Há uma faceta que, por norma, não é notada, mas que é das mais importantes, senão mesmo a mais importante. Trata-se do carácter terapêutico da democracia. Quando se fala em terapia supõe-se, e não sem razão, a existência de  patologias. A questão que se coloca então é a de saber que patologias são tratadas pela ordem democrática.

Basta dar uma vista de olhos pelo discurso político e pela opinião pública que se movimenta em torno do fenómeno da política para compreender a natureza da patologia. Mesmo nos actores e comentadores mais sensatos, a posição política que defendem tende a ser apresentada como uma verdade. Verdade essa que lhes parece tão óbvia que se espantam pelos outros não a compreenderem. O que significa isto? Significa que política traz nela uma inclinação que dobra os homens para o delírio da verdade absoluta.

O carácter terapêutico da democracia não incide na cura dos doentes que sofrem dessa patologia delirante. A terapia limita-lhes a acção e ensina-lhes algumas boas maneiras. Obriga-os a disfarçar a loucura que arde dentro deles. Como o faz? Pelo confronto dos múltiplos delírios e das múltiplas loucuras. Na democracia, os agentes infectados vigiam-se entre si. A loucura e o delírio continua a arder em cada um, mas a exibição das diversas patologias, pressuposta pela democracia, acaba por criar uma clareira onde uma vida saudável é possível. E isto não é pouco.

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