A minha crónica no Jornal Torrejano.
Winfried Georg Sebald morre nos finais de 2001, com apenas 57 anos. Quando,
há anos, o descobri fiquei fascinado pela sua escrita. Li de enfiada, sem
conseguir parar, todas as traduções das suas obras. Naquela escrita transparece
um tema que me assombra desde há muito. Trata-se da relação com o passado, com
o fundo dos tempos, com aquilo que se retirou e que, lentamente, desliza da
memória para desaguar no grande oceano do esquecimento. O trabalho de Sebald é um
exercício de reconstrução dos fios da memória obliterados pela voracidade do
tempo. Esta minha atenção pela memória e pelo que passou tem as mesmas
dimensões que se encontram no escritor alemão. O interesse pela memória pessoal
e pela memória colectiva. O querer conhecer os laços que ligam ao concerto da
família e os liames que estabelecem relação à comunidade social e política.
Sebald, que nasce em 1944, parte da situação traumática por excelência
que marca várias gerações de alemães: a segunda guerra mundial, o nazismo, a
perseguição aos judeus. São os traços dessa memória que ele se aplica a refazer
em algumas das suas obras. Em História
Natural da Destruição, o autor trata, sob a forma de ensaio acerca da
relação entre guerra e literatura, o modo com os alemães se apropriaram dos
acontecimentos da guerra. No romance Austerlitz
é a recuperação da memória pessoal de um judeu que, perante a ameaça nazi, foi
enviado em 1939, ainda criança, da Checoslováquia para Inglaterra, onde acabaria
por perder os laços com a sua origem. Estamos, com estas obras, perante o
trabalho sobre as duas memórias, a colectiva e a pessoal. Os romances Vertigo, Os Emigrantes e Os Anéis de
Saturno expandem este trabalho da memória para os campos da literatura, da
emigração e da história.
Com W. G. Sebald, a literatura confronta-nos com o recalcado pela
memória, com aquilo que na sociedade e em nós persiste em ocultar-se, apesar de
nunca deixar de sinalizar a sua presença através de sinais e símbolos muitas
vezes obscuros. Neste sentido, a literatura é ainda um projecto iluminista, ao
tentar trazer à luz o que está escondido e que pode ajudar a compreender quem
somos e o que fazemos. A leitura de Sebald torna-se assim imperativa. Ao aliar
a grande qualidade narrativa e ficcional à dimensão da memória perdida, o
escritor alemão reactualiza, alargando-o a uma dimensão social, o projecto de
Marcel Proust, que tomou forma no Em
Busca do Tempo Perdido. Em tempos de grande conturbação como os actuais, a
memória não é apenas um lugar de consolo, mas ainda uma luz que, ao lado da
razão, nos pode guiar na escura noite dos tempos.
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