sexta-feira, 18 de novembro de 2016

W. G. Sebald


A minha crónica no Jornal Torrejano.

Winfried Georg Sebald morre nos finais de 2001, com apenas 57 anos. Quando, há anos, o descobri fiquei fascinado pela sua escrita. Li de enfiada, sem conseguir parar, todas as traduções das suas obras. Naquela escrita transparece um tema que me assombra desde há muito. Trata-se da relação com o passado, com o fundo dos tempos, com aquilo que se retirou e que, lentamente, desliza da memória para desaguar no grande oceano do esquecimento. O trabalho de Sebald é um exercício de reconstrução dos fios da memória obliterados pela voracidade do tempo. Esta minha atenção pela memória e pelo que passou tem as mesmas dimensões que se encontram no escritor alemão. O interesse pela memória pessoal e pela memória colectiva. O querer conhecer os laços que ligam ao concerto da família e os liames que estabelecem relação à comunidade social e política.

Sebald, que nasce em 1944, parte da situação traumática por excelência que marca várias gerações de alemães: a segunda guerra mundial, o nazismo, a perseguição aos judeus. São os traços dessa memória que ele se aplica a refazer em algumas das suas obras. Em História Natural da Destruição, o autor trata, sob a forma de ensaio acerca da relação entre guerra e literatura, o modo com os alemães se apropriaram dos acontecimentos da guerra. No romance Austerlitz é a recuperação da memória pessoal de um judeu que, perante a ameaça nazi, foi enviado em 1939, ainda criança, da Checoslováquia para Inglaterra, onde acabaria por perder os laços com a sua origem. Estamos, com estas obras, perante o trabalho sobre as duas memórias, a colectiva e a pessoal. Os romances Vertigo, Os Emigrantes e Os Anéis de Saturno expandem este trabalho da memória para os campos da literatura, da emigração e da história.

Com W. G. Sebald, a literatura confronta-nos com o recalcado pela memória, com aquilo que na sociedade e em nós persiste em ocultar-se, apesar de nunca deixar de sinalizar a sua presença através de sinais e símbolos muitas vezes obscuros. Neste sentido, a literatura é ainda um projecto iluminista, ao tentar trazer à luz o que está escondido e que pode ajudar a compreender quem somos e o que fazemos. A leitura de Sebald torna-se assim imperativa. Ao aliar a grande qualidade narrativa e ficcional à dimensão da memória perdida, o escritor alemão reactualiza, alargando-o a uma dimensão social, o projecto de Marcel Proust, que tomou forma no Em Busca do Tempo Perdido. Em tempos de grande conturbação como os actuais, a memória não é apenas um lugar de consolo, mas ainda uma luz que, ao lado da razão, nos pode guiar na escura noite dos tempos.

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