Esteban Vicente - Ao longe (1970)
Um pequeno bosque de cedros e ciprestes ergue-se mesmo em frente.
Inclinadas pelo vento, as árvores oferecem-se aos olhos numa profusão de verdes
que um espectador incauto nunca sonharia. Se o vento sopra, elas, em uníssono,
inclinam-se, resguardando-se da fúria. Quando o vendaval pára, erguem-se
majestosas, apontam para o céu, e nunca deixam perceber se o acusam do mal ou
se o louvam como destino da sua caminhada. Vejo-as agora sob uma chuva miúda. A
água escorrega por elas e empapa a terra castanha. Aqui e ali despontam
pequenas poças. Alguém atravessa o bosque. Vai apressado, fustigado pela chuva.
Logo desaparece e tudo volta à solidão. Um pássaro poisa no cimo de um
cipreste. Estremece, levanta voo e perde-se no horizonte cinzento. Por baixo
das copas, divisam-se, para lá das árvores, carros a passar lentamente.
Vejo-lhes as cores, branco, vermelho, preto, alguns cinzentos, mas estão
demasiado longe para que lhes oiça o roncar dos motores. São carros fantasmas
perdidos num outro mundo. Uma brisa suave levantou-se agora mesmo e os cedros
cedem já à tentação de ondular, enquanto os ciprestes se mantém hirtos, presos
a um orgulho despropositado. Ouve-se um grito. Parece crescer de intensidade, mas
de súbito cessa. Silêncio. Um carro parou para além do bosque. Uma mulher sai
da viatura, põe os pés na terra castanha e vagueia entre árvores. Não tem
chapéu de chuva. O carro desapareceu. Ela caminha à deriva, parece cambalear.
Um cedro de copa alta serve-lhe agora de abrigo. Senta-se, encostada ao tronco.
Flecte as pernas e envolve os joelhos com os braços enlaçados. Sobre eles poisa
a cabeça. O cabelo cai-lhe e tapa as pernas. Quase posso ver-lhe a nuca. A
chuva persiste e ela ali parada, silenciosa, encharcada. Um vulto perdido na
cor parda do dia, uma sombra à espera do anoitecer.
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