Jorge Carreira Maia - Praia do Medão (Supertubos), Atouguia da Baleia (2014)
A experiência pela qual estamos a passar traz com ela uma percepção muito diferente daquela em que fomos educados. A fragilidade das instituições e de modos de vida era uma coisa que apenas existia nos compêndios de História ou na prédica religiosa. O homem comum, nascido no pós-guerra, tinha a impressão de que tudo tinha um carácter sólido, ao qual o tempo não tinha poder para erodir. A bondade das instituições apenas podia ampliar-se Mesmo quando se assistiu à queda do anterior regime ou à morte da experiência comunista no bloco de Leste, ainda qualquer consideração sobre a fragilidade das instituições e modos de vida humanos surgia, aos olhos do senso comum, como qualquer coisa distante, uma espécie de meditação teórica, ou uma consideração para utilizar em situação fúnebre. Agora, porém, observamos em directo - e sofremos no corpo - o desmoronar das nossas instituições, dos nossos modos de vida e dos nossos valores. Tudo o que parecia sólido se manifesta, nestes tempos, como construído em matéria frágil e com alicerces superficiais e enterrados em areia seca. Descobrimos que entre todos os direitos irrevogáveis apenas há um, do qual ninguém falou, que mantém a sua inalterável solidez, o direito a viver o apocalipse.
Os valores (os não-valores) vão-se desmoronando continuadamente. Pode sempre mudar-se de valores (de não-valores), enquanto se espera pelo(s) apocalipse(s), seja(m) lá o que ele(s) for(em).
ResponderEliminarUm abraço
Na ideia de apocalipse pensa-se em primeiro lugar a revelação da verdade. Um apocalipse é um processo onde as coisas e os valores manifestam a sua verdade, isto é, a sua limitação. Os homens, em dado momento, desejam que instituições e valores sejam eternos. O apocalipse é a revelação do carácter finito e temporal de tudo isso.
EliminarAbraço
E há o direito à defesa do futuro. E há o direito à luta por aquilo em que acreditamos mesmo quando parece que à volta tudo vai ruir.
ResponderEliminarNão se pode assistir passivamente a isto. Conformação é cumplicidade.
Pode não ser fácil manter a cabeça erguida e o olhar dirigido para a frente mas acho que é a única atitude admissível.
Acho eu, repito. E esforço-me por nunca vir a deixar de pensar.
O que se pretende sublinhar no texto é que há coisas que ultrapassam os nossos eventuais direitos e ~, mais que tudo, a nossa capacidade para os reivindicar. A acção do tempo, por exemplo, é uma delas. Instituições, modos de vida e valores envelhecem, são questionados e atirados borda fora como a casca inútil de uma maçã. Julgo que vivemos num tempo em que isso é particularmente notório. Quanto ao olhar para a frente, o problema é que, numa altura destas, nunca se sabe muito bem qual é a frente para onde se deve olhar e, mais que tudo, o que se encontra em qualquer uma das frentes para onde se pode olhar. Nada disto, porém, tem que ver com desistência ou inacção, mas com perplexidade perante a incógnita do porvir.
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