sexta-feira, 4 de julho de 2014

O mal-estar na Europa



No primeiro dia de trabalho do novo parlamento europeu, quase 200 deputados eucépticos e de extrema-direita (cerca de um quarto do parlamento), aos primeiros acordes do hino da União Europeia (UE), levantaram-se e voltaram as costas ao centro do hemiciclo. Eis um acto político de enorme valor simbólico e sintoma do mal-estar que fervilha nas entranhas da UE. As causas deste mal-estar são múltiplas e variam conforme os países. Podemos, no entanto, sublinhar três.

Em primeiro lugar, o recuo do Estado social, a desregulação dos mercados, a erosão dos direitos do mundo do trabalho. A UE tem-se mostrado impotente para conciliar a globalização da economia com elevados índices de protecção social, os quais tinham permitido, na Europa, o crescimento da classe média. O empobrecimento das classes médias tem-se mostrado irreversível e gerador de animosidade em relação à UE.

Uma segunda causa prende-se com a divisão entre o norte protestante e o sul católico. Apesar de uma raiz comum, catolicismo e protestantismo geraram culturas éticas, sociais e políticas diferentes. Esta forma distinta de organizar as sociedades acabou por gerar choques e desconfianças entre o norte o sul da Europa. Em período de crise, estas desconfianças tornam-se mais activas e dão lugar a visões isolacionistas e de recuperação de tradições nacionais imaginárias.

A terceira causa está ligada ao problema da imigração e, fundamentalmente, à presença, em certos países da Europa, de comunidades muçulmanas muito activas e afirmativas dos seus valores. Observe-se a polémica em Espanha à volta das pretensões do emirato do Qatar em transformar a Praça de Touros de Barcelona numa Mesquita. Começa a emergir, em vários países europeus, um efectivo receio das pretensões dominadoras de certos grupos ligados ao Islão, conduzindo os eleitores à presunção de que o isolamento fora da UE será mais eficaz na afirmação dos valores culturais nacionais e na defesa perante a crescente presença do islamismo.

Estas são as grandes preocupações dos eleitores europeus, mesmo  de muitos que votam nos partidos ligados ao consenso europeu. Qualquer uma destas temáticas é, todavia, ignorada pelas acção política da União Europeia. O temor da pobreza, a desconfiança relativamente aos outros europeus e o medo do Islão não são assuntos nobres – são incómodos e, por vezes, tocados mesmo pelo racismo – que mobilizem a elite europeia, mais interessada nos negócios e nas desregulações da vida económica e financeira. É natural que os europeus se comecem a voltar para aqueles que voltam as costas a uma UE lunática e servil da plutocracia.

2 comentários:

  1. É natural que os europeus se voltem para as oposições à UE, mas estas são diferentes entre si e,. creio eu, trata-se apenas de uma aliança de conjuntura.
    Os eurocépticos serão xenófobos, mas não anti-semitas -latu senso- e estão distantes do racismo da extrema-direita que, este sim, engloba árabes e judeus no mesmo pacote e. mais tarde ou mais cedo, vai ter (se não tem já) Israel à perna, a substituir-se às plutocracias irresponsáveis..
    Desse ponto de vista a situação não me parece tão dramática. Já no que diz respeito às condições sociais. Aí sim, o problema é muito complicado.

    Um abraço

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    1. Seja como for, há um sentimento de ruína que a tudo parece tocar. Não sei se haverá forças para suster a queda do edifício.

      Abraço

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