Jorge Carreira Maia - Auto-retrato V (2007)
Agora havia apenas mar e areia, o som cavo das águas, o excesso de
realidade daquilo que me envolvia. Os barcos tinham partido em busca de um
porto que os abrigasse, ou os deixasse ancorar por alguns dias. Mas a mim –
logo a mim que tinha nascido sob o signo das águas – o destino marítimo deixara
de me interessar. Fechei os olhos e deixei o vento correr sobre o corpo. Perplexo,
senti uma súbita explosão na carne. Tudo vacilou sob a luz que se reflectia no
oceano. O vento quase me arrancou do chão. Músculos e ossos perderam a solidez,
mas ainda persistiam na sua mais firme definição. Apenas a cor se ia diluindo,
perdendo a diferenciação, tornando-se um difícil equilíbrio de branco, preto e
cinza. Quando a primeira onde me atingiu, eu era apenas uma sombra. A sombra da
minha sombra.
Uma bela fotografia.
ResponderEliminarComo se a sombra pudesse auto-retratar o seu desencanto.
Um abraço
O mundo desencantado é um mundo sombrio.
EliminarAbraço