Jackson Pollock - White Light (1954)
Um eléctrico azul passa na correnteza da rua, o ferro guincha nos
carris, uma luz branca ilumina o interior vazio. No jardim contíguo, há árvores
de tronco castanho e bancos de ferro forjado. Gostaria de saber por que ninguém
se senta neles a descansar ou a namorar ao crepúsculo. O chão é imaculado. Das
flores que por ali crescem não falo, só de pensar nelas já o pulso treme e a
mão desfalece. Quando o eléctrico se some na embocadura da outra rua, a noite
torna-se mais densa. Esfrego a cara no momento em que um arrulhar tonitruante
me fere os ouvidos. Num banco, dois pombos maiores do que um homem sentam-se
calmamente e, enquanto falam como se arrulhassem, poisam os olhos fixos nas
flores de um canteiro. Não falarei delas. Escondido, observo-os: espiam assombrados,
arrulham, crescem mais e mais, já mal cabem no banco. Na hora em que o som se
tornou insuportável, levantaram voo, um atrás do outro. Ao dissipar-se a brisa
trazida pelo bater daquelas asas, a manhã tinha depositado sobre um coração
tremente, o meu, um véu de luz. (averomundo:
a prosa dos dias, 2008/06/04)
Um post notável: O expressionismo na pintura e no texto, é assim que eu vejo.
ResponderEliminarUm abraço
Muito obrigado, caro JRD.
EliminarAbraço
Acompanho de vez em quando o seu blogue. Adoro!
ResponderEliminarLamento e entristece-me que a esmagadora maioria das pessoas deste Pais não tenham capacidade de o perceber assim tão bem. Também não admira que assim seja, porque tem sido esse o treino que nos foi dado nos últimos anos. Estamos a colher o que se semeou. Mas fique tranquilo; essa maioria é que está errada, e a prova está à vista. Muitos parabéns! Adoro a sua escrita; para além de compartilhar consigo grande parte das suas opiniões, acho majestosa a forma como o faz. Mais uma vez BEM HAJA - IR
Muito obrigado. Agradeço o seu interesse, as suas palavras e as suas visitas. Quanto ao resto, as coisas são como são e nada melhor do que aceitá-las.
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