Rubens - Briselda devuelta a Aquiles por Néstor
Em novo lera muitos livros, mas chegado aos trinta anos descobrira que
tanta informação pouco ou nada o fizera aprender. Decidiu, então, ler um só
livro o resto da vida, mas lê-lo continuamente até descobrir o segredo que lá
se ocultaria. Hesitou. Talvez a Bíblia
devesse ser o livro escolhido, ou o
Quixote, porventura a República.
Por fim, elegeu a Ilíada. Ao fim de dez anos, sentiu que ainda assim havia
excesso de palavras e o progresso na aprendizagem era pouco. Decidiu que apenas
leria, mas leria total e completamente, o chamado catálogo das naus. E assim
fez durante outros dez anos. No dia do quinquagésimo aniversário a razão
segredou-lhe que o melhor seria ler um e só um verso. Aí não teve dúvidas.
Escolheu o primeiro verso da epopeia, pois nele está já contido todo o poema.
Dia após dia, mês após mês, ano após ano, lia ininterruptamente: «Canta, ó
deusa, a cólera de Aquiles, o Pelida». Quando fez oitenta anos, já há vinte, de
manhã à noite, que apenas lia uma palavra: «cólera». A morte surpreendeu-o pela
tarde luminosa de um dia de Junho. A face mantinha o sorriso de quem aprendera
a suavizar o coração. A boca, porém, diz quem o viu, continuava a dizer
pausadamente có-le-ra, có-le-ra, có-le-ra… (averomundo:
a prosa dos dias, 2008/09/29)
Se bem entendo, a partir dos sessenta anos só leu o "Dies Irae".
ResponderEliminarBom Domingo
Abraço
Talvez nem seja despropositado.
EliminarResto de bom fim-de-semana.
Abraço
"A face mantinha o sorriso de quem aprendera a suavizar o coração. "
ResponderEliminarIncrível reflexão... De facto oportuniza muito que pensar, em que fazer
as vezes penso que o mundo afoga-se em demasiadas palavras
ou a falta delas, não sei.
Sim, as palavras tornaram-se moeda banal, demasiado banal.
Eliminar"Tenho medo do homem de um livro só"
ResponderEliminarSão Tomás de Aquino.
Uma palavra talvez seja mais que um livro. Mesmo um livro só implica tantas leituras diferentes que, sendo um só, traz consigo um número infinito.
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